terça-feira, 28 de outubro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM



Francisco Costa - Évora, recuperar o processo histórico

28-out-2008
A aprovação do relatório final do estudo de enquadramento estratégico para a área do Centro Histórico de Évora e dos princípios de missão da Sociedade de Reabilitação Urbana Évora Viva, pela Câmara Municipal de Évora representam o arranque de um processo de reabilitação, revitalização e crescimento do nosso Centro Histórico.
Mais importante que as palavras, e reconhece-se que é crescente a impaciência de quem assiste impotente à degradação do nosso Centro Histórico, parece ter chegado o momento de agir. Ainda assim encontramos, vinda de uma respeitável instituição da Cidade como é o Grupo Pró-Évora, a defesa ingénua de uma imaginária natureza perdida, usando a expressão de Sidónio Pardal. E estas palavras não devem ser tomadas como demérito. É justo o reconhecimento que se deve dar ao percurso histórico do Grupo Pró-Évora e do lugar central que teve na defesa e na valorização do património cultural de Évora. E por se considerar que a herança desta instituição é muito valiosa, é maior ainda o desafio que se coloca à sua longevidade, tendo em conta as mudanças que vai sofrendo a sociedade que a envolve. É que nenhuma longevidade resulta da estagnação mas sim da permanente adaptação ao tempo e à actualidade. Como articular essa longevidade de quase 100 anos com estes processos de mudança? Seria lógico esperar que fosse a própria consistência da instituição, ganha por tantos anos de experiência, a dar resposta ao inexorável passar dos tempos e à alteração dos próprios desafios para que foi criada. Mas não. Apesar da construção de uma importante memória histórica falta hoje ao Grupo Pró-Évora o carisma e o ideário da pro-actividade na resolução dos seus próprios problemas. É natural que a sua reacção seja semelhante quando se trata de contribuir para o grave problema da decadência do nosso Centro Histórico. A vida da cidade de Évora é a vida da sua população e é através das organizações que nos perpetuamos enquanto comunidade. O segredo desta longevidade é o da convivência harmoniosa com o meio, num processo que é de aprendizagem. Essa aprendizagem obriga-nos a estar abertos ao mundo exterior. Como Piaget disse, no processo de crescimento humano vamos entrando num mundo novo e a única forma de nos adaptarmos é ir alterando a estrutura dos nossos preconceitos e das nossas ideias pessoais. Com as organizações passa-se o mesmo. Ao debruçar-se sobre o estudo de enquadramento estratégico para a área do Centro Histórico de Évora o Pró-Évora concentrou-se no conteúdo das acções propostas e esqueceu-se do contexto em que estas se devem desenvolver. Tudo porque lhe falta um cultura interna de confiança. E é essa falta de confiança que nos impede (a todos) de fazer da comunidade um “nós” coeso, em contraposição a um “nós” contra “eles”. Se quisermos aprender realmente uns com os outros, e isso implica recusarmos o modelo tradicional de querermos apenas que outros assimilem o que transmitimos professoralmente, é preciso começar por ser tolerante com o pensamento não convencional e com as novas ideias, pois a realidade do futuro pode ter pouco que ver com a do presente. E para isso é preciso acabar já com esta tendência de não colocar as coisas em cima da mesa e de adiar constantemente a resolução dos problemas. As aspirações de todos os eborenses, e que podem expressar-se por via de truísmos, uma nova postura no plano das ideias, aberta às mudanças complexas que vivemos e a vantagem de podermos trabalhar em colaboração, partindo da importante noção de que a nossa força vem da relação entre pessoas e organizações que aspiram ao mesmo, parecem ser as condições que permitirão evoluirmos enquanto comunidade. Esta é uma atitude ideológica e não uma parangona propagandística, que se pode resumir muito singelamente ao seguinte: trata-se de uma estratégia de relacionamento. E se olhamos todos para o património como um legado que recebemos com vida e que queremos passar às gerações futuras e que precisa sempre de intervenção com vista a uma permanente revitalização, não devemos pretender que as nossas intervenções não deixem a marca do seu tempo. É isso que lhe acrescenta riqueza. A defesa das características do nosso Centro Histórico não se faz só pela preservação do seu património mas também pelo seu enriquecimento e valorização com obras de mérito arquitectónico e paisagístico. Tal não significa necessariamente modismo turístico, nivelamento das diferenças ou descaracterização. Hoje o que representa a nossa mais valia em relação a outros centros históricos com quem naturalmente competimos não está somente na herança que recebemos do passado mas na ambição com que a defendemos e a validamos perante o presente e o futuro.

Francisco Costa

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