sexta-feira, 10 de outubro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM



Martim Borges de Freitas - Globalização: Finanças 0, Política 1

10-out-2008
Poucos assuntos na história contemporânea têm gerado tantos fantasmas como a globalização. Parecendo claro que este assunto condiciona o destino de todos, não devemos, pois, dar-nos ao luxo de pensá-lo de forma trivial. Num tempo em que muitos querem já crucificar a globalização e apontá-la como mãe de todos os males, inclusivé da grave crise financeira que ora vivemos, devemos, até para serenar alguns ânimos, recordar os esforços que ao longo dos anos têm vindo a ser desenvolvidos em todas as regiões do mundo para interromper ou conter guerras civis, religiosas, étnicas, para encontrar soluções de longo prazo para problemas de ontem e para desenvolver a cooperação em áreas tão importantes como as pedagógicas, científicas e universitárias. É que estas coisas também são resultado da globalização.
Inspirando-nos em assuntos contemporâneos e reflectindo sobre eles, poderemos, com base em determinados valores, ajudar a reorientar a lei do mais forte, neste caso, a lei do mais forte na globalização, para o sentido do interesse geral. É claro que raciocinar “a quente” raramente dá bom resultado. Mas todos temos a capacidade necessária para nos distanciarmos suficientemente da crise, de molde a podermos, ao menos, reequacionar a questão. Deixemos, então, de olhar a globalização como uma coisa evidente – muito evidente até para alguns – e transformemo-la novamente numa questão, na de um futuro comum para construir e dividir. Não esqueçamos, no entanto, um pequenino pressuposto: o de que não é importante saber se ela, a globalização, é “boa” ou “má”. De facto, guiados pela preocupação aparente de introduzir uma nuance nessa dicotomia, chegamos algumas vezes ao ponto de sugerir a distinção entre “boa” e “má” globalização, como se pudéssemos ter a “boa” sem corrermos o risco de ter a “má”... Evitemos, pois, a distinção. Combinando equilibradamente três princípios, em primeiro lugar, o da manutenção da competitividade económica no mercado mundial; em segundo lugar, o do não sacrifício, em qualquer circunstância, dos níveis de bem-estar e de solidariedade social alcançados; e, em terceiro lugar, o do respeito, sem restrições, pelas condições inerentes a uma sociedade livre, à liberdade, talvez possamos vir a assistir a uma rápida revitalização da globalização, daquela, da mesma, que alguns querem ver já crucificada. Sabendo nós que, normalmente, os equilíbrios se desfazem pelo lado mais frágil, o que se constata é que, quando um dos elos está mais fraco e ameaça partir, esse, deve ser imediatamente amparado. Ora, neste como noutros tipos de crise, é evidentemente o poder político quem está em condições de ser esse amparo, essa escora. É, aliás, o que por todo o mundo já se está a verificar. Se o nosso raciocínio for o correcto, então a conclusão a tirar é que o lado político não deve nunca ser nem ficar submetido ao lado económico. Para isso, é preciso que novos instrumentos sejam configurados e, os já antigos, reconfigurados. Porque as consequências da globalização consubstanciam, antes do mais, uma nova repartição de direitos e de deveres, de privilégios e de privações, de riquezas e de pobrezas, de oportunidades, de poderes e de liberdades. Desta feita, em proporções mundiais. E como esta grave crise financeira evidencia, nem a este nível o poder político é dispensável. E a razão, como se viu, não está apenas na circunstância de o mercado não ser honesto.
Martim Borges de Freitas

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