quarta-feira, 15 de outubro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM (DUAS)

http://www.dianafm.com/

António Revez - A falência do capitalismo financeiro?

14-out-2008
Quem vos fala não percebe um boi de economia, nada, zero. Portanto, esta é uma crónica não autorizada cientificamente. É uma crónica do senso comum, a percepção de um ignorante face à complexidade das leis económicas e financeiras, mas creio que é uma percepção que não se distanciará muito do que milhões de pessoas no mundo inteiro estarão neste momento a percepcionar, e que se traduz muito simplesmente no seguinte: a lógica do mercado colapsou. O que sempre nos apresentaram como uma certeza de racionalidade económica, como garantia de bom funcionamento económico, como condição da prosperidade, da boa competitividade e da livre iniciativa, está a falhar rotundamente, parece estar a falhar irremediavelmente.
E todos aqueles que sempre defenderam à histeria a separação escolástica entre o Estado e o sistema financeiro capitalista, e todos aqueles que apregoaram a radicalização de um neo-liberalismo sem amarras estatais, proteccionistas ou reguladoras, e todos aqueles que consentiram a dinâmica especulativa e promoveram a irracionalidade consumista, falharam. Falharam, mas muitos deles engordaram ao longo dos anos as suas contas na Suíça, ou puseram os seus lucros incalculáveis em paraísos off-shore e dissimularam-nos em investimentos insuspeitos. E todos aqueles que denunciaram que o mercado não era exactamente e sempre auto-regulável, e todos aqueles que têm vindo a clamar por uma intervenção mediadora e fiscalizadora do Estado no âmbito do sistema financeiro, e todos aqueles que reclamaram uma vigilância constante à viabilidade e consistência de produtos e soluções financeiras associados ao crédito inter e intra-bancário, tem agora razão. Mas a realidade está a ultrapassar as previsões e os vaticínios mais pessimistas e as cogitações políticas mais improváveis. De um capitalismo financeiro selvagem, autofágico nos seus pressupostos, suicida nos seus impulsos, estamos a transitar para um socialismo de Estado providente, proteccionista e ideologicamente securitário. E o Estado, de negligente e irresponsável observador não-participante, passa para interventor e proprietário, sem ter passado por árbitro e polícia regulador. E nós, contribuintes, peões usados desta grande embrulhada, vítimas impotentes das suas guilhotinadas, mas que somos os activos líquidos do Estado, o seu tesouro e o seu cofre, estamos a alimentar, a desculpar e a proteger, todos os que se aproveitaram fraudulentamente das fragilidades e buracos negros do sistema financeiro, e que neste preciso momento riem de tudo e de todos, lá de cima das suas espreguiçadeiras tropicais, com um martini bem gelado nas mãos.
António Revez

Francisco Costa - A ética da acção

14-out-2008
O utilitarismo filosófico, enquanto corrente de pensamento sobre os fundamentos da moralidade do século XIX, aproveitou ao hedonismo o princípio de que a finalidade da vida humana é a felicidade. E entre o prazer físico e o espiritual era dado ao Homem a possibilidade de escolha, sem que se procurasse fundamentar a moral por via de princípios ou verdades absolutas. Por sublinhar o prazer espiritual, mais enriquecedor e pleno, a corrente de pensamento recusava assim o egoísmo.
Em suma tendia a caracterizar as acções dos homens como boas e más se estas promovessem a felicidade e o bem-estar ou o seu contrário. Quanto maior fosse o número de beneficiados de determinada acção maior seria a sua importância e, portanto, mais correcta. O objectivo utópico maior seria assim a felicidade de todos. Esta doutrina ética, transversal à filosofia, à economia e ao direito penal, acabou por transformar-se numa das mais importantes ideias morais e políticas do século XIX, contribuíndo para a estruturação das sociedades democráticas contemporâneas. E hoje, quando sentimos a desregulação dos tempos e alguma relativização dos valores morais, parece útil perceber a pertinência deste fundamento. Disse alguém que a crise que sentimos (fico com a impressão que a humanidade avança e a crise é uma constância nessa evolução) não é só económica e financeira mas sobretudo moral. E se se fundamentar a moral com a utilidade ainda é possível perceber o que de errado tem estado a acontecer no mundo. É pelo menos útil que a reacção a esta crise mundial se traduza numa ética de acção e que no resultado dessa acção sejam resolvidos os problemas de uma grande maioria que teme pelo seu futuro e pelo futuro dos seus e que, bem vista as coisas, tem pouca ou nenhuma responsabilidade na situação criada. Quando ouvimos acerca das medidas que os governos vão tomando para resolver as dificuldades das instituições financeiras sabemos que elas (as medidas) não visam resolver problemas pessoais de gestores financeiros irresponsáveis ou de especuladores gananciosos, que na passagem até resolverão, mas sim manter de pé as economias onde assenta a civilização ocidental e, sendo assim, a vida como a conhecemos. Independentemente do agente que a pratica a acção é boa se as suas consequências forem positivas e abrangerem o maior número possível de pessoas. É assim que qualifico e não tenho forma mais isenta de o fazer os diferentes apoios e medidas que vão sendo criados por esse mundo, por via das nacionalizações, injecções de capital ou medidas directas de apoios às famílias e às empresas. Afinal ainda são as democracias que governam o mundo.
Obrigado e até para a semana.
Francisco Costa

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