quarta-feira, 29 de outubro de 2008

COLABORAÇÃO

Por várias vezes já aqui referido, Augusto Mesquita acedeu ao meu pedido autorizando a publicação dos seus excelentes textos, publicados na “Folha de Montemor”.
Conforme salientei na introdução da rubrica “Para memória futura”, o Sr. Mesquita é profundo conhecedor de acontecimentos e factos que não tendo quem os preserve caiem na possibilidade de se perder.
O Al Tejo , que foi criado para servir o Alandroal, foi aos poucos alargando o seu espaço a todo o Alentejo e presentemente conta com um número considerável de visitantes em Montemor (terra da minha residência e que tão bem me tem tratado) .
Está assim justificado que as memórias de Augusto Mesquita, passem a constar com frequência neste espaço.
Para ele o meu abraço e muito obrigado.
Xico Manel


No 9.º aniversário da sua morte
Homenagem a Amália Rodrigues


Segundo alguns historiadores, a palavra fado vem do latim fatum, ou seja, “destino”. De origem obscura, terá surgido provavelmente na primeira metade do século XIX. Uma explicação popular para a origem do fado de Lisboa remete para os cânticos dos mouros, que permaneceram no Bairro da Mouraria, após a reconquista Cristã.
Outra versão relata que o fado chegou a Portugal, através de Lisboa, sob a forma de lundum, a música dos escravos brasileiros, aproximadamente no ano de 1882. Só depois de algum tempo, começou o lundum a modificar-se até se tornar o fado.
A primeira cantadeira de fado de que se tem conhecimento foi Maria Severa Onofriana. Cigana e prostituta cantava e tocava guitarra nas ruas da Mouraria, especialmente na Rua do Capelão. Era amante do Conde de Vimioso e o romance entre ambos é tema de vários fados.
Mas, é no início do século XX, que nasce Ercília Costa, “A Santa do Fado”, uma fadista esquecida pelas vicissitudes do tempo, que foi a primeira fadista com projecção internacional e a primeira a galgar as fronteiras de Portugal.
O fado moderno iniciou-se e teve o seu apogeu com Amália Rodrigues. Foi ela quem popularizou fados com letras de grandes poetas, no rol dos quais, se inclui ela própria.
O fado é, hoje em dia, um símbolo mundialmente reconhecido de Portugal, desde há muitos anos representado no estrangeiro por Amália, e mais recentemente por Mariza, entre outros.
No sopé da Serra da Gardunha, um tocador de cornetim é cobiçado pelas duas bandas do Fundão: “música nova” e “música velha”. A vida de músico é insegura, ele tem que assegurar o sustento dos quatro filhos e da mulher novamente grávida. É sapateiro, mas por causa do cornetim, poucos sapatos fizera. Sai dos confins da Beira Interior e resolve tentar a sorte na capital. É o tempo das cerejas (Maio e Junho) e em Lisboa, na Rua Martim Vaz, próximo da Mouraria, a mulher dá à luz uma criança do sexo feminino: Amália da Piedade Rebordão Rodrigues. Nasceu a 1 de Julho de 1920, embora nos registos conste o dia 23, situação muito frequente em pessoas da sua idade e até de mais novos.
A vida está má e o sapateiro músico não arranja trabalho. Voltam todos para o Fundão mais pobres do que nunca, excepto Amália que, com 14 meses, fica em Lisboa com os avós maternos.
Amália não tem brinquedos, mas sabe duas ou três cantigas. Os vizinhos pedem-lhe que cante e enchem-lhe as algibeiras do bibe com rebuçados e moedas.
Prestes a completar 9 anos, a avó, analfabeta, manda-a para a escola, na Tapada da Ajuda. No caminho come figos de piteira e colhe flores para levar à professora.
Na escola é obrigatória a bata branca por cima do vestido. No regresso a casa, encontra uma rapariga toda rota, ainda mais pobre do que ela. Tira o vestido que traz por baixo da bata e dá-lho. Quando chega a casa, a avó diz-lhe para tirar a bata para lavar. Com um ar atrapalhado diz: “Ai! Perdi o vestido!”. Olha a fidalga, a dar vestidos! Exclama a avó entre tabefes.
Entretanto cresce. Tem doze anos e para ela a escola acabou! Como é hábito da gente pobre, grandes e pequenos contribuem para o sustento da casa. Aprender um ofício, impõe-se. Ofício de bordadeira escolhe. Ganha dois escudos por dia. Como o dinheiro não chega para o bilhete do eléctrico muda-se para uma fábrica de bolos e rebuçados, onde passa a ganhar seis escudos por dia.
Tem 14 anos feitos. Resolve ir viver com os pais e irmãos que regressaram a Lisboa. Já em casa dos pais, em 1935, desfila na Marcha de Alcântara e canta pela primeira vez, acompanhada à guitarra, numa festa de beneficência. Quatro anos depois, estreia-se como fadista no Retiro da Severa, onde ganha 800$00 por mês. No ano seguinte, passa a actuar no Solar da Alegria, como artista exclusiva e com reportório próprio, auferindo 1000$00 por espectáculo. Nesse ano, casa-se com Francisco Cruz, torneiro mecânico e guitarrista amador.
Divorciada a seu pedido em 1943, Amália tem 23 anos, é independente, jovem e divertida. Ganha bem. Leva o público às casas de fado atrás dela, de um lado para o outro, do Negresco para o Tokai, e para o Nina.
Sua estreia em palcos internacionais deu-se em 1943, em Madrid, a convite do embaixador lusitano na capital espanhola.
Em 1944 desloca-se ao Brasil. A estada, prevista para seis semanas, prolongou-se por três meses. No Brasil, grava os primeiros dos seus inúmeros discos (204 ?).
Em 1947 é protagonista no filme “Capas Negras”, batendo todos os recordes de exibição (22 semanas em cartaz no Cinema Condes).
Regressa ao Brasil em 1961, para casar no Rio de Janeiro, com o engenheiro César Seabra, com quem vive até à morte deste em 1997.
O ano de 1967, fica gravado a letras de ouro na sua carreira, pois recebe em Canes, pelas mãos do actor Anthony Quinn, o prémio MIDEM (Disco de Ouro) para o artista que mais discos vende, facto que repete nos dois anos seguintes, proeza só igualada pelos Beatles.
Montemor-o-Novo, primeiro como vila, e depois como cidade, pode orgulhar-se de ter assistido a dois concertos de Amália. O primeiro, realizou-se no dia 8 de Outubro de 1970, com a receita a reverter a favor do Hospital Infantil de S. João de Deus, e vinte e dois anos depois, a 22 de Maio de 1992, numa iniciativa da Discoteca Arrepios, que contou com a colaboração da Câmara Municipal. Nestes dois inesquecíveis concertos, o Curvo Semedo tornou-se pequeno para receber os inúmeros admiradores.
Antes do 25 de Abril, interpreta e grava o “Fado Abandono”, também conhecido como “Fado Peniche”, com letra de David Mourão Ferreira e música de Alan Oulmam, fado polémico nos tempos da censura, a “Trova do vento que passa”, e “Grândola Vila Morena”, que viria a servir de senha na Revolução do 25 de Abril. Sabe-se então que Amália, vista por muitos com um dos “EFES” da ditadura (“Fado, Fátima e Futebol”), colabora com determinado partido político, quando este era clandestino. Os contactos que manteve com Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Carlos Ary dos Santos e Manuel Alegre, entre outros, são sinónimo, de que não esqueceu as suas raízes…
No ano de 1985 dá o seu grande concerto a solo em Portugal, no Coliseu dos Recreios em Lisboa.
Em 1989 é recebida em audiência privada pelo Papa João Paulo II no Vaticano. Neste ano, é convidada de honra do Estado francês para as grandes comemorações do Bicentenário da Revolução Francesa.
Canta em 1990 no Teatro Nacional de S. Carlos. Pela primeira vez em 200 anos, canta-se o fado naquele teatro.
Em 1994 actua pela última vez em público no âmbito de Lisboa, Capital da Cultura.
Discografia – Dos velhos 78 rotações por minuto ao CD, a extensa e versátil obra discográfica de Amália é naturalmente reconhecida como uma das mais importantes e marcantes da história da música portuguesa. Deste vasto trabalho, refiro a obra gravada em 1962 “Amália Rodrigues” (conhecida por “busto”, visto ostentar na capa um busto de Amália). Está para a diva, como “In The Wee Small Honrs” está para Sinatra, ou “Revolver” para os Beatles…, o “Grândola Vila Morena”, gravado em 1974, antes de ser escolhido para senha do “25 de Abril”, e o álbum “Lágrima”, todo com poemas seus, gravado em 1983.
Filmografia – Participou em 23 filmes., sendo 9 longas-metragens e 14 curtas-metragens.
Teatro – Participou em oito revistas e três operetas.
Televisão – Participou na telenovela “Os Deuses Estão Mortos” e em duas peças, o Céu da Minha Rua e a Sapateira Prodigiosa.
Poesia – Além de ter escrito várias letras para os seus discos, escreveu um livro de poesia denominado “Versos”.
Condecorações – Ordem Militar de Santiago de Espada (grau de cavaleiro, grau de oficial, grau grande oficial e grã – cruz), Medalha de Honra de Prata da cidade de Paris, Ordem das Artes e das Letras (grau cavaleiro) do Estado Francês, Ordem dos Cedros do Governo Libanês, Medalha de Ouro da cidade de Lisboa, Ordem das Artes e das Letras (grau comendador) do Ministro da Cultura de França e a Grande Medalha de Vermecil da cidade de Paris.
Deslocações ao estrangeiro – África do Sul, Alemanha, Argélia, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Congo Belga, Espanha, EUA, França, Grécia, Holanda, Inglaterra, Israel, Itália, Japão, Líbano, Luxemburgo, México, Rodésia, Roménia, Suécia, Suiça, Tunísia, Turquia, União Soviética, Venezuela, Zimbabué, e ainda as ex-províncias ultramarinas, Angola e Moçambique.
Foi considerada a maior artista de música ligeira. Serge Reggiani considerou-a alguém que pertence a Portugal mas, também, pertence ao mundo.

“Desde que existe a morte, imediatamente a vida é absurda. Sempre pensei assim”. Amália.
A 6 de Outubro de 1999 Amália Rodrigues morre com 79 anos, pouco depois de regressar da sua casa de férias no litoral alentejano. Logo de seguida, o Primeiro-ministro António Guterres decretou três dias de luto nacional pela morte de Amália. No seu funeral centenas de milhares de portugueses descem à rua para lhe prestar uma última homenagem. Sepultada no Cemitério dos Prazeres, o seu corpo é posteriormente trasladado para o Panteão Nacional.
Casa-Museu Amália Rodrigues – A casa onde viveu e morreu a grande fadista foi transformada em museu com o objectivo de preservar e dar a conhecer aos seus muitos admiradores todo o ambiente, os espaços e objectos que povoaram a vida da artista e são testemunho vivo da sua carreira e das suas vivências pessoais. No total, encontram-se expostas mais de 30 mil peças. A sala de estar guarda algumas das mais preciosas, como uma guitarra do século XIX, um piano, diversas medalhas e condecorações. A sala de jantar encontra-se preparada para uma noite de festa, com a mesa posta. No piso superior encontramos o espaço mais íntimo e pessoal, o quarto de dormir, onde estão expostos como perfumes, vestidos, um xaile, sapatos e jóias. A visita de uma hora é acompanhada por vários fados da artista. Foi inaugurada em 23 de Julho de 2001.
Musical Amália – Filipe La Féria montou em 2001, no Teatro Politeama, o Musical “Amália”. Alexandra interpretou magistralmente o papel de Amália Rodrigues. Amália, o filme – No final de 2008 está prevista a estreia da longa-metragem “Amália, o filme”, realizado por Carlos Coelho da Silva, com produção de Valentim de Carvalho Filmes, que irá retratar a vida de Amália Rodrigues. A actriz Sara Barata Belo interpreta o papel de Amália.

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