segunda-feira, 15 de setembro de 2008
CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM
Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/
António Revez - Falar e dizer em política
15-set-2008
O grande facto político do Verão que está a findar foi um não facto, que, pela sua permanência como não facto, transmutou-se num facto de expressiva relevância. Refiro-me, claro está, ao silêncio de Manuela Ferreira Leite, só recentemente interrompido pela sua intervenção no fecho da chamada universidade de Verão do PSD que decorreu em Castelo de Vide.
Neste caso, o silêncio de um líder político ganha a dimensão de facto político por razão da continuada negação ou recusa daquilo que habitual e convencionalmente atribuímos ao papel de um político e que decorre do seu estatuto: falar. Não necessariamente falar bem, não necessariamente falar com inteligência e objectividade, com pertinência intelectual e política, com utilidade propositiva, com originalidade argumentativa. Não. Falar. Com demagógica intencionalidade, com impressiva convicção, com populista alcance, com retórica forma e conteúdo, com sensacional dramatismo. É isto que se espera de um político. É assim que o reconhecemos. É isso que o torna normal, familiar e previsível. Os políticos, como diz o outro, como dizemos todos, falam, falam, e não dizem nada. E temos aqui nesta expressão tão comum e sábia, o cerne da coisa. A diferença entre falar e dizer. O que era suposto os políticos fazerem, era dizerem e agirem, dizer com sentido e com responsabilidade, e agir com competência e honestidade. Mas essa expectativa tem vindo a ser completamente defraudada e invalidada pela prática política, daí que o que se exige hoje a um político é que, pelo menos, ele fale. Fale, para nós o acusarmos de que ele só fala e não diz nada. Fale, para nós lhe apontarmos o dedo e o culparmos de tudo o que acontece de errado na sociedade. Mas que fale. Se um político, e, por maioria de razão, um líder partidário, não fala, perde a sua existência, a sua funcionalidade, a sua visibilidade, a sua razão se ser, é destituído de sentido, e nós ficamos sem o nosso bode expiatório de estimação, sem um bom pretexto de entretenimento e má língua, sem um excelente alvo de apedrejamento. E Manuela Ferreira Leite lá falou, foi forçada a existir, porque em política silêncio não é sapiência e ponderação, é antes sepulcro, vazio, enigma, incapacidade. Manuela Ferreira Leite falou mas pouco ou nada disse, e ainda pouco ou nada vez. Mas falou, criticou sem grande sustentação, culpou, apontou o dedo, não apresentou uma única proposta ou medida. Foi igual a nós, sentimo-nos identificados, compreendeu-nos finalmente e nós a ela. E nós, temporariamente saciados, não nos importamos nada que ela se cale outra vez, desde que, de vez em quando, fale, mesmo que não diga nada.
António Manuel Revez
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