terça-feira, 26 de agosto de 2008

PÁGINAS SOLTAS - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

Permito-me chamar a atenção para o conteúdo deste texto.


A Humanidade Perdida?

“ Os que na frente vão, bradando – alerta! // Sentinelas perdidas no futuro…// Os que o clarim do abismo, pelo escuro// Faz em sonhos tremer, e enfim desperta.”
Antero de Quental
(in “Odes Modernas”)


Em debate no “Expresso”, Inês Pedrosa refere o muro cultural que, presentemente, se ergue perante nós (despoletando na nossa sociedade uma apatia e mesmo uma intolerância perante o “diferente” – e que o encenador João Mota correlacionaria com o muro político com que o fascismo lusíada controlava os portugueses de então.
Na realidade, é de crer que o atavismo criado por estas grilhetas culturais, nos impede de “sentir” , denunciar, estancar e resolver gritantes problemas humanos – como o são as guerras, os genocídios, as desigualdades de oportunidades, a pobreza, a intolerância cultural (cilindrando mesmo quem ouse a coragem de pensar diferente), a corrupção, as injustiças, etc.; e que nós (cidadãos do Mundo) – rasoirados por uma cultura de massas televisivas teimamos em ignorar (no âmbito da denuncia de Alain Finkielkraud, quando ele diz que a ( a ideia de que todos os povos do mundo formam uma única humanidade não e, em boa verdade, consubstancial ao género humano”).
E se, entre nós, surgiram “vozes” denunciantes da nossa apatia perante situações de ofensa à dignidade do Homem (como são os textos dos neo-realistas, ou de Alexandre O´Neil, Cesariny, Ary dos Santos ou Luís Pacheco – estes lembrando os tons provocatórios de Bocage), encontramos também em espíritos despertos e disponíveis de solidariedade (como os de Alberto Schweitzer, de Henry Dunant, de Aristides de Sousa Mendes ou dos voluntários da AMI), para igualmente interventivos, se proporem defender uma causa humanitária, enquanto detentores de um espírito humanista inspirado na passagem Bíblica: “Regra absoluta para as nossas gerações: vós e os estrangeiros sereis iguais diante do Eterno”).
Perante o “feedback” de horrores humanos consentidos pela Humanidade (desencadeados pelos jogos do poder, por ambição económica, pelo fanatismo religioso, pelas absurdas purificações étnicas) perguntamos, como o fez J. Krishnamurti, “será que a humanidade pode mudar?”.
Para ele, a apatia e a violência (das armas, do ciúme, do ódio, da irritação, da arrogância, da vaidade) que conduz ao Mal, está na forma de condicionamento (intelectual, psicológico, emocional e físico) na formação da mente: conduzindo uns (os detentores de um espírito mal formado, que não pactuam as suas acções e a análise das realidades pelo que “deve ser”) ao Mal, á violência, ou á cumplicidade pela não intervenção, eleva outros (porque vêem no nirvana, no moksha, no paraíso, num utópico amanhã, algo muito mais importante para eles do que “o que é”: a vida terrena – enquanto orientados por um espírito iluminado pelos princípios éticos) à demanda da Harmonia e da Concórdia.
Detentores de um livre arbítrio (face à capacidade de uma razão de que participantes, enquanto seres humanos) seremos julgados pela tribuna da História e por Deus (para os crentes), pela utilização que fazemos da nossa vontade na vida comunitária. Afinal se como diz Rosseau (in “Emílio”) , todos nasceram nus e pobres, todos eles sujeitos ás misérias da vida, aos desgostos, ás doenças, ás necessidades, ás dores de todas as espécies; enfim, todos eles, condenados á morte. Eis o que é verdadeiramente próprio do homem; eis aquilo de que nenhum mortal pode escapar, seria mais curial uma vida terrena verdadeiramente democrática, pautada pela razão da Ética (e não pela razão da força), inspirada na elevação cultural do Espírito, numa convivência transparente entre humanos (numa globalização humanizada) onde não houvesse pombas e falcões, raposas e cordeiros; longe dos princípios do “Príncipe” de Maquiavel.
Tenhamos então esperança num Futuro mais perpassado pela harmonia entre a Ciência, a Tecnologia, e o Humanismo (em que todos os seres humanos sejam destinatários dos bens que a mente humana criou, enquanto votados à Humanidade); ou não profitezaria uma personagem de Dostoievsky, que “ a beleza salvará o mundo”?

José Alexandre Laboreiro

Texto publicado na “folha de Montemor" em Março 2008, transcrito para o Al Tejo com a devida autorização do autor.

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