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As preocupações de Soares
29-mai-2008
Mais um relatório sobre as condições de vida dos portugueses e mais um conjunto de conclusões que realçam aquilo que qualquer cidadão atento tem como adquirido: no nosso país o fosso entre os mais ricos e os mais pobres não pára de aumentar e a mancha de pobreza começa já a alastrar pela classe média. Aproveitando o facto do estudo se referir a dados de 2004, Sócrates afirmou que as suas conclusões seriam uma sentença transitada em julgado sobre o falhanço da governação da direita. Desta vez tenho de concordar com o primeiro-ministro. De facto, o crescimento das desigualdades sociais é consequência de uma governação de direita, insensível aos problemas dos mais desprotegidos e que é tendencialmente forte com os mais fracos e sempre condescendente com os mais fortes, sendo que tal orientação política é partilhada desde há mais de 30 anos pelos mesmos protagonistas: o PS, o PSD e o CDS como muleta circunstancial.
Claro que a intenção de Sócrates seria culpabilizar o último governo da responsabilidade da coligação PSD/PP e afastar qualquer leitura que pudesse ser responsabilizadora para o seu exercício do poder. Mas nesse afã de apontar para o arguido cuja identidade estaria supostamente implícita no relatório do Eurostat, Sócrates esqueceu que, desde 2004 para cá, as desigualdades não só não diminuíram como, todos temos essa sensação, se agravaram de forma ainda mais preocupante. E é neste contexto que Mário Soares faz publicar um artigo de opinião no Diário de Notícias, sobre o tema “Pobreza e desigualdade” em que aconselha o governo do seu partido a uma reflexão profunda sobre a pobreza e a desigualdade, com o consequente alastrar do descontentamento para uma classe média cada vez mais depauperada. O ex-Presidente da República aconselha o governo a tomar medidas claras, eficazes e urgentes no próximo ano e meio. Poder-nos-emos perguntar que medidas serão essas, que impactos poderão ter e que resultados serão de esperar. Já percebemos que o facto de terem de ser tomadas no próximo ano e meio tem tudo a ver com os próximos actos eleitorais e que a preocupação de Soares não será tanto combater as desigualdades crescentes, mas minimizar o seu impacto no momento em que os portugueses forem chamados a votar. Depois de tecer várias considerações acerca dos malefícios do neo-liberalismo e da necessidade de regular o processo de globalização, o homem que um dia resolveu meter o socialismo na gaveta mostra claramente qual a principal motivação que o levou a vir a público alertar o actual governo para a necessidade de reflectir sobre o mau estar evidente que existe na sociedade portuguesa. Não é o aumento galopante dos bens de consumo essenciais, não é imparável subida dos preços dos combustíveis, não é a declaração de guerra aos direitos dos trabalhadores, não é a arrogância do primeiro-ministro. Nada disso. Soares é clarinho na sua mensagem: as desigualdades e a pobreza são factores preocupantes mas o governo está a governar bem. O que o preocupa mesmo e faz questão de escrever preto no branco é a possibilidade destas políticas, com estas consequências, poderem levar o PCP e o BE a resultados eleitorais expressivos, pela capitalização política do descontentamento popular. O que Soares parece querer dizer é claramente isto: ou no próximo ano e meio o governo toma medidas que disfarcem este mau estar instalado, ou ainda se arrisca a ter de lidar com uma oposição de esquerda reforçada eleitoralmente. E esquerda reforçada é coisa que continua a preocupar o fundador do PS.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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