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Crónica de Eduardo Luciano
01-mai-2008
Quem trabalha tem hoje o seu dia. É sempre um dia de festa, de lembrar que sem a força criativa de quem trabalha nada seria possível. As gravatas que compõem as imagens de gente com ar sereno, quando aparecem na televisão a pedir contenção salarial, ou flexibilidade para despedir, não existiriam sem trabalhadores que as fizessem a troco de um salário. A tecnologia que me permite estar longe e garantir que esta crónica vá para o ar como habitualmente, seria uma miragem não fosse o labor de trabalhadores altamente qualificados e especializados.
O que comemos é produto da intervenção do trabalho humano sobre a natureza nas suas diversas manifestações. Os livros, que nos ajudam a sonhar, não existiriam sem o trabalho complexo e inspirado dos seus autores. Os produtos que nos encantam pela sua reduzida dimensão e que fazem quase tudo, não existiriam sem que trabalhadores dos quatro cantos do mundo, por vezes sujeitos a condições de exploração inimagináveis, os produzissem. Num mundo onde a importância de quem trabalha aparece cada vez mais como algo distante, onde as intervenções mediáticas colocam lupas sobre o papel do investimento em detrimento da força transformadora do trabalho, onde as estrelas são os empresários, os seus filhos e netos, onde opções que implicam dramas sociais violentíssimos são calmamente explicadas como banais medidas de racionalidade económica, é cada vez mais importante exigir respeito pela dignidade de quem trabalha. Dizem-nos que os operários já não são o que eram, que os proletários já só existem nalgumas imaginações pintadas de vermelho, apenas porque os meios usados na produção mudaram, mudando com eles o perfil de quem trabalha. Mas apesar de todas estas mudanças, há algo que não mudou: sem trabalhadores que troquem a sua força de trabalho por um salário que lhes permite sobreviver, os analistas que se entretêm com as subidas e descidas bolsistas, avaliando qual dos donos deste imenso casino global ganha mais, teriam de se dedicar a outra actividade. Hoje, com aquilo que se prevê ser o agravamento do já gravoso quadro das leis laborais, este dia tem entre nós o especial significado da exigência de inversão desta lógica em que a importância do capital se sobrepõe de tal forma à importância do trabalho, que direitos conquistados pelos trabalhadores são entendidos como privilégios e as mordomias oferecidas a gestores e quadros engajados ao patrão são entendidas como prémios de gestão. Este dia é de festa, porque quando quem trabalha se junta para se fazer ouvir, há sempre algo de festivo nessa atitude. Mas é essencialmente mais uma oportunidade para lutar, protestar, exigir um tratamento mais digno para quem trabalha. Dizem alguns que a economia global não se compadece com soluções locais de protecção do valor do trabalho e de quem o realiza. Que a competitividade manda. Que modelo neo-liberal é uma inevitabilidade deste momento histórico. Talvez seja. Mas a esta inevitabilidade, quem trabalha terá de responder com outra: a resistência ao aumento desenfreado da exploração, a resistência a aprovação de legislação que faz da precariedade regra, em nome de uma facilidade de despedimento que de moderno nada tem. Vá lá… saia de casa, junte-se aos que lá fora fazem deste dia uma festa e um momento de luta.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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