TRIBUTO ÀS P....
Ode às Mulheres da Vida
(Miguel Torga)
Catas humanas da rua,
Que poema de Janeiro!
Que epopeia branca e nua
Ao luar do mundo inteiro!
Amam? Não amam? Que importa
Saber mistérios alheios?
A carne pode estar morta
E ter quentura nos seios.
Encolhidas nos portais,
Debruçadas nas janelas,
São amantes naturais
Prostitutas e donzelas.
Todas beijam, todas são
Aberta terra em pousio;
Calor de fecundação
Num desespero vazio.
Alguém passa, alguém as quer,
Alguém que é alto e moreno...
Como vai qualquer mulher
Senão assim, a um aceno?
E num quarto e numa cama,
E num lençol de amargura,
Nua e branca, quem é dama,
Ou mulher de vida impura?
Humildes servas de Deus,
Do Deus homem que as chama,
Que humanos versos os seus,
A brilhar na sua lama!
(Lisboa, 16 de Janeiro de 1946)
Fado da Prostituta da Rua de St.º António da Glória
Letra: António Lobo Antunes
Música: Vitorino
Minha nau com dois corvinhos
meu mosteiro à beira-mar
acordeão de ceguinhos
agulha de marear
minha promessa de cera
meu poente sobre o rio
oh minha folhinha de hera
pesponto do casario
minha Santa Filomena
meu fio de ouro quebrado
minha rolinha de empena
afago de namorado
minha andorinha de louça
pendurada da janela
oh meu sorriso de moça
minha lágrima de vela
meus seinhos de mulher
cornichos de Satanás
se me derem a escolher
vida ou morte tanto faz.
A Canção das Perdidas
(Augusto Gil)
A Viana da Mota
Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das santas do céu
– É Maria Madalena...
Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste herança te dou,
Filha do meu coração!
Meu pai foi para o degredo,
Era eu inda pequena.
Se não morresse tão cedo,
Morria agora – de pena...
E há no mundo quem afronte
Uma mulher quando cai!
Nasce água limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vai...
Àquele que me roubou
A virtude de donzela
Se outra honra lhe não dou,
– É porque só tive aquela!...
Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d'água cantante,
Quem te quer, pára um bocado.
Quem não quer, passa adiante...
O meu amor, por amá-lo,
Pôs-me o peito numa chaga:
Deu-me facadas. Deixá-lo.
Mas ao menos não me paga!
Nem toda a água do mar
Por estes olhos chorada
Daria bem a mostrar
O que eu sou de desgraçada!
Como querem ver contente
Este país desgraçado,
Se dão só livros à gente
Nas escolas do pecado...
Dormia o meu coração
Cansado de fingimento.
Bateste-me, e vai então
Acordou neste momento.
Se aquilo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse voz,
Muita gente... toda a gente
Teria pena de nós!
Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br
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