quarta-feira, 9 de abril de 2008

PÁGINAS SOLTAS - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

(Publicado na Folha de Montemor em Janeiro 2007)

A revolta dos marinheiros

«Lancei ao mar um madeiro, / espetei-lhe um pau e um lençol. / Com palpite marinheiro / medi altura do sol ... / Dormi no dorso das vagas, / pasmei na orla das praias, / arreneguei, roguei pragas, / mordi peloiros e zagaias. »
António Gedeão
(in “Poema da malta das naus”)

A Marinha constituiu - ao longo dos séculos - uma instituição fortemente participante no tecer da vida política e económica do nosso país: no comércio de cabotagem e no apoio à reconquista das urbes costeiras (nos primeiros tempos da Nacionalidade), no comércio intercontinental e no apoio às Descobertas (na época da Expansão Portuguesa), na manutenção e defesa do Império, na defesa da Democracia (durante as lutas liberais), apoiando (conduzida pelo Almirante Cândido dos Reis) a preparação da Revolta Republicana do 5 de Outubro de 1910 - mantendo, durante a ditadura do Estado Novo, uma imagem patriótica e democrata de oposição ao regime totalitário.
Efectivamente, durante o mês de Setembro (do ano findo) comemorou-se os 70 anos da Revolta dos Marinheiros contra Salazar - num momento de coragem do punhado de Homens dos navios de guerra “Afonso de Albuquerque”, “Dão” e “Bartolomeu Dias” - fundeados no Tejo - enfrentando uma ditadura já consolidada e com forte aparelho repressivo.
Vivia-se o ano de 1936, numa altura em que Francisco Franco e as tropas da extrema-direita espanhola se haviam sublevado contra a República Parlamentar e Democrática Espanhola, tendo já obtido alguns êxitos com o apoio de Hitler e Mussolini e da ditadura portuguesa (tendo Salazar, já então, prestado auxílio importante aos revoltosos franquistas em armamento, abastecimentos e logístico - sendo o porto de Lisboa usado para desembarque de armamento de várias procedências, nomeadamente da Alemanha, seguindo depois em colunas terrestres para as frentes franquistas da Extremadura, Andaluzia e Castela).
É neste contexto que situamos a Revolta dos Marinheiros em Setembro de 1936: tendo os marinheiros revoltosos contra o Estado Novo, como plano, no caso de não obterem apoio de terra (como não tiveram), conduzirem os seus navios para a Ilha Terceira (Açores) - e libertarem os presos políticos encarcerados no Forte de Angra do Heroísmo, seguindo depois para Espanha, a integrarem a frota republicana.
Anote-se que os marinheiros sublevados tinham uma consciência política que os conduzira ao apoio das frentes democratas espanholas, perante a revolta franquista - manifestando-se abertamente favoráveis ao lado republicano - manifestações que criariam desconfianças no comandante do navio “Afonso de Albuquerque”, que - segundo noticiaria o “Diário de Notícias” de 9 de Setembro de 1936 - comunicara o facto ao Ministro da Marinha (que enviaria submarinos e contra-tropedeiros a escoltarem o navio).
A rebelião dos navios “Afonso de Albuquerque”, “Dão” e “Bartolomeu Dias” inicia-se na madrugada de 8 de Setembro de 1936 - tendo os navios revoltosos recebido reforços de marinheiros, embarcados em lanchas, que partiram do Cais do Sodré. Presos os oficiais de serviço nos três navios revoltosos, preparam-se para cumprir o plano. Tomando conhecimento da revolta, o governo do Estado Novo despoleta imediata repressão - com bombardeamento sobre os navios a partir de terra (havendo ordem para destruir os vasos de guerra revoltados, com peças da artilharia no Forte de Almada e no Forte do Alto do Duque; agravando-se a situação face à avaria - no acto de levantar âncora - nas máquinas do “Bartolomeu Dias”, o que adiou o cumprimento do plano da rebelião.
A repressão foi feroz sobre os marinheiros: mesmo após a rendição, a artilharia não deixara de metralhar os navios, obrigando os marinheiros a atirarem-se ao Tejo, na tentativa de alcançarem as margens.
Uma vez lançados ao rio - na ânsia de alcançar terra - os marinheiros, mesmo abandonando os navios, continuavam a ser alvos da metralha das tropas situacionistas. Em terra, organizou-se a perseguição aos fugitivos, por forças do exército fiéis ao regime e por elementos da GNR. Mesmo um cacilheiro que recolhera marinheiros fugitivos, foi aprisionado por uma lancha cheia de polícia.
Foram presos 250 marinheiros - tendo morrido 12 dos marinheiros da rebelião. Após passarem pelas mãos da polícia política, são levados na sua maioria - para a Ilha de Santiago (Cabo Verde), onde vão inaugurar o campo de concentração do Tarrafal - “Campo da Morte Lenta”, onde - os que conseguiram sobreviver na prisão - cumpririam 15 anos de cadeia em condições desumanas: apenas por terem lutado pela restauração da Liberdade.

José Alexandre Laboreiro

Textos elaborados pelo Dr. Alexandre Laboreiro, que amavelmente acedeu ao convite para connosco colaborar.
São artigos versando diferentes matérias, que ao fim e ao cabo reflectem uma maneira de estar e constituem autênticas lições de história.
José Alexandre Laboreiro , pessoa muito conceituada nos meios académicos de Montemor o Novo, é Licenciado em história, leccionou em diversos estabelecimentos de ensino, foi vários anos Presidente do Conselho Directivo da Escola EB2,3 de Montemor o Novo, faz parte dos Corpos Directivos de várias Instituições , além de assíduo colaborador no Jornal “Folha de Montemor”.
Para ler com atenção.
Al Tejo agradece a colaboração da Folha de Montemor, que nos facilitou os suportes para a transcrição.

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