quinta-feira, 24 de abril de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Crónica de Eduardo Luciano

24-abr-2008
Esta é a centésima crónica e hoje é 24 de Abril, há coincidências assim. Neste dia costumo recordar o que vivi desde que nasci até aos 14 anos e o que ensinaram sobre a história entes disso. Neste dia costumo lembrar a existência da censura, da polícia política, do medo instalado, do bufo mascarado que homem ordeiro. Num tempo em que alguns tentam branquear a ditadura como algo pitoresco que aconteceu num tempo longínquo é preciso lembrar as vítimas, os heróis comuns, os verdugos e aqueles que cederam ao medo em nome da normalidade da sobrevivência.
Quando nos tentam vender a ideia de que a ditadura foi um tempo de ordem e moralidade é preciso lembrar a desordem na casa de alguém que levado a meio da noite da sua casa a ela só irá regressar, depois de torturado e humilhado e a imoralidade que é não se poder gritar o que vai alma sem que o censor não abençoe com lápis azul. Quando nos querem mostrar que aquele foi um tempo sem crimes é preciso recordar o Estado criminoso que, ao serviço de meia dúzia de senhores não hesitou em cometer homicídios sabendo que nunca seria julgado por eles. Verdade. Ao serviço de meia dúzia senhores. Porque como dizia a quadra: “oh meu Portugal tão lindo/ oh meu Portugal tão belo/ metade é Jorge de Brito/ metade é Jorge de Melo”. Estes e poucos mais que beneficiavam da ordem desordeira e da moral recheada de imoralidade. É preciso recordar a guerra criminosa contra povos que lutavam pela autodeterminação, levando o melhor da juventude a terras distantes, para um regresso que para muitos nunca seria completo e para outros seria em caixão. Hoje, perante as mutilações da democracia e as tentações de cortar a voz aos que a ousam levantar, muitos fazem comparações espúrias entre os dois tempos, afirmando, sem reflexão, que estes tempos são iguais ou piores. Muitos, lembrando que o poder voltou às mãos dos mesmos, os Melos e os Britos de hoje, logo afirmam estarmos na mesma. Desculpem lá contradizê-los, mas os tempos são outros. Mutilada, é certo, a liberdade impera nestes tempos. A política ao serviço dos mesmos senhores de ontem, conta com a luta clara e aberta de milhares que não se coíbem de marchar na rua. E isso faz toda a diferença. Hoje não é possível eliminar opositores impunemente e quando a polícia é mandada a uma sede sindical para condicionar a luta dos trabalhadores, tal facto transforma-se em escândalo nacional. Sabemos que alguns aspectos desta suposta modernidade nos remetem para o dia 24 de Abril, mas apenas por cegueira se podem comparar os tempos. É certo que alguns pretendem enquadrar o que em Abril se conquistou em comemorações oficias e churrascos banais, mas haverá sempre quem lembre Abril como o tempo de todos os sonhos, de todas as utopias, onde a igualdade estava ali mesmo. À mão de semear. Os tempos até podem ser de desânimo para os que acreditaram que o mundo se mudava num sopro, mas é de confiança para todos os que sabem que a sua transformação é possível. Hoje é 24 mas, acreditem, amanhã será 25 de Abril, como escreveu a Sophia, aquela madrugada inteira e limpa.
Até para a semana

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