sexta-feira, 21 de março de 2008

SEXTA FEIRA SANTA - ECCE HOMO



Ecce Homo

Humanidade exposta
À varanda do mundo,
A mostrar
Consumadas,
As horas cruciantes da paixão.
As chagas a sangrar
E as mãos atadas...
Violência e prisão.

Semivelado, o rosto
Não tem olhos.
Ou cobre-os o pudor
Da lucidez...
Alheio ao sol fortuito do poder
E à vencida aparência que lhe dê,
O penitente deixa-se apenas ver.
O que ele vê, não se vê...

Via-Sacra

Duro caminho de chegar à morte!
E dura condição
De ser nele,
Como eu,
Conjuntamente o Cristo e o Cireneu!

Condenado,
Açoitado,
A cair
E a sangrar
Sob o peso do lenho,
Se me quero sentir humano e ajudado,
O recurso que tenho
É cantar como um carro carregado.

É pedir a coragem dos meus passos
À força dos meus versos.
Versos que são apenas o sudário,
Solidário
E crispado,
Do meu rosto de carne, desenhado
No chão da caminhada.
Como ajuda que desse ao próprio corpo
A sombra por ele mesmo projectada.

Miguel Torga

Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br

CRISTO

Trazia nos pés
O cansaço
Duma vida penhorada!
No olhar
A incerteza de uma garrafa
Vazia!
Respirava no silêncio
A asma, a fome,
A azia!
Subitamente,
Ao olhá-lo,
Sucedeu o imprevisto:
Vi naquela criatura
Um homem igual aos outros...
Mas mais parecido
Com Cristo!

Manuel Justino Ferreira (Montemor-o-Novo, 1928-2002), in Poeta que parte... Poemas que ficam (2004)

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