(Publicado na Folha de Montemor em Novembro 2007)
Os Socialistas na resistência ao Estado Novo
«É este ideal de emancipação que ficou simbolicamente associado à Revolução Francesa. O seu lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” assinalou todos os processos revolucionários que alastraram pelo mundo.»
Adriano Duarte Rodrigues
(in “Comunicação e Cultura”)
César Oliveira lamentava as dificuldades em estudar a génese das ideias socialistas em Portugal - mercê do vazio criado com o Estado Novo (a que estava ligada a Censura, o bloqueamento de arquivos: e daí a quebra de interesse e estímulo face às dificuldades em se debruçar sobre tal temática). No entanto, é certo que o primeiro Partido Socialista nasceu em 10 de Janeiro de 1875, dele fazendo parte, entre outros, Henriques Nogueira, Sousa Brandão, Azedo Gneco, José Fontana, Antero de Quental, Oliveira Martins, João Bonança, Vieira da Silva Júnior: formado, essencialmente, por jornalistas, escritores, professores e uma franja de operariado. Os seus princípios ideológicos mergulhavam as raízes doutrinárias no Iluminismo, nas linhas de força da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), no livre pensamento (“Lutarei sempre pela liberdade de expressão, e darei a vida para que possas divulgar as tuas ideias” - diria Voltaire a um adversário político), e entusiasmando-se com a Comuna de Paris. A sua acção prima, essencialmente, pela defesa da Justiça, da Igualdade de oportunidades, da Liberdade de expressão, pela expansão do associativismo (maiormente do associativismo mutualista e das cooperativas), pela luta de classes (bebendo as ideias em Proudhon e no Marxismo), pela Liberdade, procurando uma nova ordem social - regeneradora da Humanidade, porque culturalmente consciente: “Como todas as revoluções da humanidade foram presididas sempre por uma Ideia moral, chagava ao mesmo tempo à consciência humana uma mais clara noção de direito e uma mais clara compreensão do dever. E a Revolução Social por esta evolução paralela da Ciência Experimental e da Ideia Especulativa veio a significar a revolução da Justiça.” - diz-nos José Fontana (in “O Pensamento Social”). Por outro lado, Antero acrescenta: “A revolução prossegue em despeito da reacção burguesa, porque o seu fim é muito maior que os interesses de uma classe; pelo contrário o seu fim é uma destruição das classes, privilegiadas umas e outras sacrificadas, para sobre esse terreno nivelado assentar o edifício da Igualdade e da Justiça”.
Este I Movimento Socialista, de base social grandemente intelectual e operária, como implementação sobretudo urbana, atravessaria o final da monarquia e o período da I República (com uma história recheada de conflitos, cisões, de momentos de expansão e alturas de recuo) - sendo difícil ter uma verdadeira implantação nacional e assumir o protagonismo político a que a elevação da sua filosofia política, e os seus princípios ideológicos tinham jus (talvez devido ao facto de, por um lado, a esmagadora parte do país se encontrar analfabetizada, e - por outro - os socialistas orientarem as suas acções, limitadamente, por generosas ideias morais em maior escala).
A repressão anti-democrática surgida com a Revolução de 28 de Maio de 1926 (que imporia o regime ditatorial do Estado Novo), conduziu à perseguição dos socialistas portugueses (como, aliás, de outros democratas).
No entanto, como “não há machado que corte a raiz ao pensamento”, o movimento socialista subsistiu clandestinamente durante a Ditadura: através do associativismo cooperativo, da difusão sub-reptícia das ideias democráticas por intermédio da Literatura, das Artes e do Espectáculo, dos convívios do MUD, do movimento mutualista, da corrente socialista Resistência Republicana (1953/54), da agitação estudantil, dos movimentos católicos de esquerda, do movimento Acção Socialista Portuguesa (1964), da propaganda eleitoral (eleições presidenciais - Quintão de Meireles, Norton de Matos e Humberto Delgado; e eleições legislativas, em que apresentavam candidaturas democráticas).
Este II Movimento Socialista Português iria ser protagonizado por idênticas facetas sociais: sobretudo junto dos profissionais liberais, da pequena burguesia urbana, da classe média (com princípios ideológicos marcados pela tradição republicana, pelo anti-fascismo dos anos 30 e 40, da herança marxista humanista e não leninista e por influências da social democracia europeia do pós-guerra e da II Internacional).
No dia 19 de Abril de 1973, é criado o novo Partido Socialista Português, em reunião realizada em Bad-Munsterufel (na Alemanha) - com a aprovação da fundação por maioria quase total dos 27 representantes nacionais, nomeadamente com a participação de Mário Soares, Tito de Morais, Ramos da Costa, Arons de Carvalho, António Arnaut, Fernando Valle, Gustavo Soromenho, Jorge Campinos, Liberto Cruz, Maria Barroso, Mário Mesquita, Roque Lino, Rui Mateus).
Grande número de resistentes socialistas - sofrendo a repressão anti-democrata do Estado Novo seriam presos, demitidos de cargos públicos e privados, exilados (sofrendo mesmo os horrores do campo de concentração do Tarrafal, como sucedeu a Cândido de Oliveira); vendo igualmente censuradas e proibidas obras culturais (como ocorreu com Antunes da Silva, Virgílio Ferreira ou Igrejas Caeiro, entre outros).
Ideologicamente, o Partido Socialista afirmar-se-ia de “socialismo democrático”, distanciado das teses comunistas e do republicanismo conservador e liberal - pretendendo a construção de uma via original para o socialismo em Portugal. Demarcado das sociais democracias europeias e do “socialismo totalitário”, irá subscrever um programa de inspiração marxista (defendendo a nacionalização dos sectores vitais da Economia e do Bem Público do país) - procurando uma síntese perfeita entre a democracia representativa parlamentar e a democracia directa de base.
Participando, através de militantes seus (infiltrados nas Forças Armadas e na sociedade civil) no processo da Revolução de Abril de 1974, teria papel relevante na implementação de uma Democracia inspirada em António Sérgio ou João de Barros - desempenhando posição importante e determinante na construção da Constituição Portuguesa de 1976.
Vivendo, felizmente, hoje em liberdade, saibamos estar à altura das ideias que os democratas (das várias correntes de Filosofia Política) nos transmitiram através dos tempos generosamente: lutando pela ideologia democrática em termos de prospectiva de Futuro. Afinal, “a única verdadeira prisão é o medo e a única verdadeira liberdade nasce da libertação do medo” - diz-nos Aung San Sun Kyi (líder da oposição birmanesa e Nobel da Paz - prisioneira política na Birmânia). Tudo dependendo, no fim de contas do que queremos e assumimos em termos de vontade e formação política, e estética social.
José Alexandre Laboreiro
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