quinta-feira, 20 de março de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM (DUAS)



O lucro infernal

20-Mar-2008
Nos últimos dias muito se tem escrito e dito sobre os comportamentos humanos que o arcebispo Gianfranco Girotti classificou de novos pecados. De entre todos os que enumerou aquele que me mereceu mais atenção foi, sem dúvida, o pecado da desigualdade social. Sendo a acumulação desproporcionada de riqueza a origem das desigualdades sociais, facilmente conseguimos descortinar quem são os “novos” pecadores. São os que vivem do trabalho alheio, comprando a força de trabalho pelo menor preço e vendendo o que produzem pelo preço mais elevado que conseguirem.
São os que fazem da usura o seu modo de vida, carregando os juros às costas dos clientes, que seduziram para aderir ao jogo do crédito fácil nesta economia de casino onde o prémio sai sempre à casa. Quando vi, na passada semana, um grupo de banqueiros com um ar pesaroso a comunicar que a crise ia chegar ao sector financeiro e que quem a ia pagar iam ser os clientes dos bancos, através do aumento das taxas de juros e das alterações às condições contratuais estabelecidas, leia-se spread´s mais elevados e serviços mais caros, não consegui deixar de pensar nos lucros pornográficos que anualmente contabilizam, batendo recordes atrás de recordes. Como conseguiram aquelas almas falar em crise sem esboçar um sorriso? Como terão conseguido falar em inevitabilidade de aumentar o preço do dinheiro, quando existiam outras opções? A diminuição das margens de lucro, por exemplo. Ainda fiquei mais espantado quando o homem que anda há anos a apelar à contenção salarial e que dizem ganhar mais que presidente do banco central americano, se mostrou perfeitamente em sintonia com a atitude de cartel do sector que supostamente a instituição que dirige devia regular. O governador do Banco de Portugal é tão lesto a apoiar os banqueiros na defesa dos seus fantásticos lucros, como a apelar ao governo para manter a pressão sobre o nível de vida dos que menos ganham. É a economia global, dir-me-ão. Como fazer frente a esta vontade colectiva dos donos do dinheiro? Neste caso em concreto até seria possível fazer qualquer coisinha. Bastava ao Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, não acompanhar esta política de transferir para os clientes o custo da crise sistémica que abala a economia. Com essa atitude introduzia no mercado financeiro factores de concorrência que obrigariam os outros bancos a moderarem a sua fúria usurária. À luz do que afirmou o Arcebispo Girotti, estão tramados. Já não iam para o paraíso pela dificuldade óbvia de fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha, agora vão direitinhos para o inferno. Quem sabe se não se torna numa oportunidade de ouro para o turismo, anunciado desígnio nacional pelo primeiro-ministro. Com tanto banqueiro a caminho do inferno, é classificar aquilo como projecto PIN e começar a construir campos de golfe. Sugiro desde já um nome para a coisa: Terras do Demo Golf Resort.
Até para a semana
Eduardo Luciano


Crónica de Hélder Rebocho

20-Mar-2008
Temos assistido nos últimos tempos a crescentes fenómenos de criminalidade violenta, a que não estávamos habituados neste país de brandos costumes. Quando falo em violência não é apenas aquela que é empregue para subtrair bens patrimoniais, mas sobretudo a que é exercida sobre os cidadãos e que evidencia desprezo por valores fundamentais como a vida humana. Compreende-se, por isso, o sentimento de insegurança que começa a dominar os Portugueses, para quem até há pouco tempo certos tipos de crimes apenas faziam parte do imaginário cinematográfico.
Quase diariamente os órgãos de comunicação social vão dando conta de roubos de caixas multibanco, assaltos a estabelecimentos comerciais em plena luz do dia, roubos de viaturas com utilização de carjacking ou homicídios gratuitos ligados ou não ao crime organizado, afinal tudo consequências da mesma realidade, ou seja, da conjugação da crise de valores com as dificuldades operativas das forças de segurança. Factores como a toxicodependência, a multiculturalidade introduzida pela imigração, o desemprego e certos estilos de vida que se vão desenvolvendo nas periferias suburbanas, têm contribuído para o aumento da criminalidade violenta e do crime organizado, que vai germinando e sofrendo mutações a um ritmo superior ao da adaptação das forças de segurança ás exigências das sociedades modernas. Vivemos numa época que aceita como um dado adquirido que os valores estão em crise, onde cada vez é mais difícil descortinar os critérios seguros para distinguir o justo do injusto, o bem do mal, o belo do feio. Tudo é relativo, subjectivo, o que facilita a adopção de comportamentos desviantes tendencialmente conducentes à criminalidade. Esta mutação social degradativa é facilitada pelo laxismo da educação, seja aquela que incumbe às famílias, seja a que compete às escolas, onde progressivamente o rigor, a moral e o respeito pelo próximo vão perdendo significado. É precisamente aqui que começa a deficiente preparação dos cidadãos para a vida em sociedade, que fragilizados no domínio dos princípios facilmente se deixam levar pelos perigos das sociedades modernas. A par de tudo isto, ou talvez na sua génese, temos uma crise de autoridade. Com pais, professores e polícias desautorizados, o conceito de respeito é facilmente relativizado. Até a própria justiça parece alinhar por este diapasão, com códigos cada vez mais permissivos. A prevenção da criminalidade, que em primeira instância deveria começar na família e na escola, vai sendo cada vez mais ténue e a repressão, que compete à lei, aos tribunais e à polícia, parece não ser suficiente para equilibrar os pratos da balança. Sem leis severas para os infractores, dificilmente os cidadãos interiorizam o conceito de justiça e de conformidade com a lei. Mas o combate à criminalidade não deve ficar apenas por aqui, compete a todos os que intervêm no processo formativo; pais, professores e educadores, na medida da sua capacidade e responsabilidades. Por enquanto a situação ainda não é alarmante, mas para lá caminha. Dizem-nos as estatísticas que, ainda assim, Portugal é um dos países da Europa com menores índices de criminalidade, e seria bom que assim continuasse, pois pelo menos neste domínio, ao contrário de outros, estar na cauda da Europa é um sinal positivo.
Hélder Rebocho

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