(Publicado na Folha de Montemor em Outubro 2007)
Os católicos e a “resistência” clandestina
«Fui aprendendo que nada obrigava um católico a ajoelhar nos altares do salazarismo, muito antes pelo contrário.»
João Bérnard da Costa
(in “Nós, os vencidos do catolicismo”)
Não são, historicamente, de menosprezar os contributos dados por milhares de católicos à luta de resistência ao regime ditatorial (derrubado na Revolução de 1974), e que submetera os portugueses a uma governação perpassada de injustiças, de obscurantismo, de repressão, cega a um estado de direito, obrigando o País a uma guerra de 14 anos (que nos conduzira ao isolamento no consórcio das Nações): luta de resistência que, para muitos católicos seria vivida na clandestinidade.
Para justificar esta consciencialização política, dir-nos-ia João Bérnard da Costa (na citada obra): “O reino de Deus era dos que tinham fome e sede de justiça, era dos pobres em espírito, era dos pacíficos, não era de um regime que prendia os adversários, se apoiava nos ricos indiferente aos pobres e censurava a livre expressão do livre pensamento. Através de jornais estrangeiros, designadamente franceses, fiquei a saber que estes regimes, como o nosso, só eram cristãos de boca para fora e que um cristão se lhes devia opor pelo pensamento e pela acção”. E alguns dos católicos que se lhe oporiam, levaram bem longe o desejo de conscientização dos portugueses - desmontando a cabala embusteira que o Estado Novo tecera: Pedro Tamen, João Salgueiro, Nuno Portas, Carlos Portas, Nuno Teotónio Pereira, Sedas Nunes, Chavier Pintado, Francisco Pereira de Moura, o Padre Abel Varzim, o Padre Felicidade Alves, D. António Ferreira Gomes (Bispo do Porto), o Padre Fanhais, D. Manuel Martins, Manuel Serra, João Bérnard da Costa, Nuno de Bragança, Manuela Silva, Maria de Lurdes Pintassilgo, o Padre Alves Correia, Francisco Sousa Tavares, Sofia de Mello Breynner, Padre Luis Moita, o Bispo da Beira, o Bispo de Nampula, D. Alexandre Nascimento (Cardeal de Luanda) - estes últimos desmistificando a guerra colonial, seriam alguns dos milhares desses católicos.
Em finais dos anos 50 e inicio dos anos 60 (do século passado) - desafiando os melindres da Censura - surgem (a par das revistas “O Tempo e o Modo” e “Concilium”), os jornais católicos “Encontro” (ligado à JUC) e “Voz Portucalense” (da diocese do Porto), e à semelhança do jornal “O Trabalhador” - dos anos 40, que com uma certa loucura, face à repressão, mas, com seriedade e inconformismo - entendendo que catolicismo e regime salazarista não eram o mesmo - abririam os corações dos católicos (e não católicos) portugueses à luz da razão e da justiça que só uma Democracia poderia trazer.
Porém, julgando imprescindível uma abertura dos espíritos dos portugueses às realidades (que os jornais do regime omitiam), pressupondo essencial que os portugueses tivessem o conhecimento de verdades (que a censura e polícia pública reprimiam), um grupo de católicos (Nuno Toetónio Pereira, Natália Teotónio Pereira e Joana Lopes) conjecturou um jornal clandestino, que iria despoletar um papel importante na politização dos portugueses: surgiria, assim, o jornal clandestino “Direito à Informação” (sucessor do “Pragma”, encerrado pela PIDE), que (de 1963 a 1969) abordaria temas tão candentes como “A consciência cristã e a guerra de Angola”, “A miséria imerecida em Portugal”, “A luta estudantil e a universidade livre”, “Mecanismos da censura à Imprensa”, “Os católicos e as eleições de 1955”, “O assassínio de Humberto Delgado: a justiça espanhola incrimina agentes da PIDE”, “A resistência cristã e a repressão em Espanha”, “Prisões e presos políticos em Portugal”, alem de outros assuntos políticos pertinentes (nomeadamente, a visita do Papa a Bombaim, a guerra colonial, a violência policial, etc.); e o curioso é que, apesar de serem distribuídos de 7 000 a 10 000 jornais (por cada número - no total de 20 edições), a PIDE não conseguiu detectar os mentores do jornal: jornal policopiado, feito com muito empenho e em condições técnicas difíceis - e em fuga constante de ludibrio à polícia. Anote-se, a cumplicidade de inúmeros párocos de Lisboa e arredores - que se arriscaram a emprestar máquinas e instalações, e a fazer distribuição clandestina.
Os mentores, fariam mais tarde questão em mencionar - como colaboradores directos do Jornal - o Padre António Jorge Martins, o Frei Bento Domingues, bem como as “dactilógrafas” Maria Vitória Pato, Maria da Conceição Neuparth e Ana Vicente. Joana Lopes adverte que a existência do “Direito à Informação” - mais que pelo seu conteúdo (ainda que pertinentíssimo) - foi por si mesmo, mais uma pedrada no charco.
Na verdade, anarquistas, comunistas, socialistas, católicos de esquerda, não passavam - para os ditadores - de encarnações do Mal, a recuperar ou a eliminar. As masmorras da PIDE equivaliam às piras da Inquisição. Em 900 anos de existência, Portugal não conseguia, até então 90 de liberdade. Daí, a pertinência de atitudes, compromissos, ideias, estratégias, planos, acções, que - abrindo consciências - conduziram à possibilidade de hoje podermos viver em Democracia. Saibamos então vivê-la (aprofundando-a sempre), enquanto conhecedores do passado e de olhos postos no Futuro.
José Alexandre Laboreiro
(Al Tejo agradece a colaboração da Folha e Montemor)
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