quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

PÁGINAS SOLTAS - (PELO DR JOSÉ ALEXANDRE LABOREIRO)

(Publicado na Folha de Montemor em Agosto 2007)

Fialho de Almeida: o escritor e polemista

«A vida é uma peça, e quem a acha má tem dois recursos: pateá-la é o meu caso; ou ir-se embora, o que é o caso dos suicidas. Suportar a farsa toda, lá porque a maioria gosta dela, um disparate !»
Fialho de Almeida


Perpassam - em 2007 - os 150 anos do nascimento, em pleno Alentejo, de Fialho de Almeida. Efectivamente, em 1857, nasce em Vila de Frades (Vidigueira - distrito de Beja),José Valentim Fialho de Almeida - oriundo de família humilde (neto e sobrinho de cavadores),e que vivenciará a sua infância no Baixo Alentejo (de onde partirá em 1886, para Lisboa - a fim de prosseguir estudos).
Fialho de Almeida encontrará, contudo, pela frente fortes atribulações no seu percurso académico: a morte do pai leva-lo-á a ter de se empregar numa farmácia, para poder custear os estudos - situação que, no entanto, o contemplará com o conhecimento e contacto social com as pessoas mais directamente (preenchendo o seu espírito sempre sedento de conhecer as realidades sociais).
Apesar de ter completado o curso de Medicina (na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa), seria - no entanto - o jornalismo e a actividade literária que o vão atrair (colaborando em vários jornais e revistas da época: “A Crónica”, “A Ilustração”, “Correspondência de Leiria”, “A Liberdade”, etc.) - merecendo especial atenção os seus livros “Contos”, “O País das Uvas” e “A Cidade do Vício”, para além de (talvez a sua obra literário-jornalística mais conhecida e polémica) “Os Gatos”, enquanto sequência de crónicas de análise político-social do seu tempo.
Realmente, a acutilância do seu olhar sobre o Portugal seu contemporâneo, aliada à violência da palavra, provocaria na sociedade do seu tempo um autêntico escândalo. Crítico da monarquia (que atacou ferozmente), e desiludido da República, pagaria caro - ainda em vida - o preço desta heterodoxia.
Tentando explicar - com base na idiossincrasia de Fialho - os traços mais polémicos da sua obra literária (à maneira de Sainte-Beuve - critico literário do século XIX), anotaremos que o humor de Fialho é instilado de instinto e chama, onde o sublime e o grotesco, ou a pureza e a perversidade se associam naturalmente num ambiente sombrio, a que o patético empresta uma nota dramática. Fialho não possuía a fina ironia do Eça, penetrante, certeira, aplicada com uma certa bonomia, numa leveza grácil e sóbria; na obra de Fialho, o sarcasmo contundente, o remoque - desferido com rudeza - o veneno do escárnio (com que pretendia atingir o adversário) que penetrava bem fundo e com violência, raiva e até ódio, emergiam de tal forma, que levariam Virgílio Ferreira a anotar que “Eça ria com o florete; Camilo, à paulada e Fialho ria à pedrada”. Na realidade, analistas da obra de Fialho de Almeida acentuam mesmo que ao riso de Fialho (que nunca foi uma gargalhada franca e despreocupada) se mistura o gemido do desgraçado, atingido pelas próprias armas que utiliza. A veia irónica serviu-lhe para criticar as tolices e os ridículos do seu tempo. Pena é que o uso e abuso da caricatura, da irreverência, da piada recheada de fel, nem sempre tenham estado ao lado da justiça.
É certo que a vida jornalística e literária de Fialho, o veio lançar num Portugal decadentista (política, socialmente e economicamente) e em convulsões culturais - a que não eram alheios uma corrupção descarada, o abanão sócio-político e cultural surgido com o Ultimato Inglês, a instabilidade política ocorrida com o Regicídio, as convulsões políticas e sociais que favoreceram o aparecimento do anarquismo e as campanhas republicanas; na cultura, imperando o “nihlismo” estimulado pela divulgação das filosofias de Schopenhawer sobre o pessimismo; enfim, um decadentismo de fim de século, que irá desembocar no pessimismo de Albino Forjaz Sampaio, com “Palavras Cínicas”.
Por outro lado, há que encontrar - numa vertente endógena - outra razão de ser da literatura de Fialho se perpassar de tão evidente agastamento: a que não serão alheios o seu sentimento de rebelião pela ascendência modesta (embora alardeasse orgulho na sua origem, em certos momentos), o seu asco à aristocracia de “segunda ordem” (oriunda dos “novos-ricos”), o seu ódio aos burgueses ricos (postos em confronto com a suposta vida miserável da família). No entanto, Fialho nutria admiração pela “velha aristocracia”, porque via nela uma formação cultural superior de sustentabilidade.
Porém, Raul Brandão definia Fialho do seguinte modo: “se o virarem do avesso, escorre bondade”. Alguns amigos seus, viam nele um moço muito imaginativo, que alternava dias cheios de alegria e exuberância (em que fazia chover ditos de espírito) com outros, pelo contrário bem sorumbáticos, em que o seu humor tombava súbito, e em que Fialho se mostrava muito deprimido - vindo à tona o pessimismo estados de alma de prostração próprios de hipocondríaco.
No entanto, Fialho de Almeida oferece-nos uma escrita franca, directa, sincera, álacre, eivada de um desejo de absoluto, instintiva (viu e pintou), tocado essencialmente pelo aspecto exterior das coisas e dos homens, enquanto paisagista do mundo e da vida - que abordou com sinceridade. Ficou célebre o conto “Ceifeiros”: onde traduz a agonia do segador alentejano, escravo da planície e das condições desumanas em que é forçado a manejar; e nele também se deparando com a exploração das sensações do sol tórrido em labaredas atrozes - que lhe inspiram a perspectiva social da sua escrita.
Fialho de Almeida acabaria por falecer em Cuba - Alentejo (pouco sobrevivendo à morte de sua mulher), em 1911 - em consequência (segundo se julga) de suicídio, desgostoso do “homicídio” simbólico despoletado pelos inimigos que não lhe perdoariam as sua invectivas mordazes. Mas que haviam razões gritantes para Fialho denunciar as desarmonias morais e sociais da sua época, isso é indesmentível: a hipocrisia, a corrupção, a flagrante distância entre ricos e pobres, a enorme iliteracia, a ignorância atroz, a presunção balofa, a banca rota do País, o agiotismo, o perigo da perda da independência - foram algumas das preocupações de Fialho de Almeida.
José Alexandre Laboreiro

(Al Tejo agradece a colaboração da Folha e Montemor)

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