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Crónica de Hélder Rebocho
27-Feb-2008
A lógica do sistema prisional assenta em dois objectivos fundamentais. Por um lado visa assegurar a necessidade de punição pela prática de um crime e por outro lado tem ou deveria ter uma função ressocializadora, de recuperação do detido, de forma a assegurar a sua reintegração futura na sociedade. Punição e pedagogia fazem parte do objectivo da pena de prisão e surgem num contexto de reeducação pela via mais dura, a da privação da liberdade.
Quem incorre na prática de um crime tem sempre a mínima consciência de estar a adoptar um comportamento reprovável, sujeito á censura jurídica e social, ao qual corresponderá a aplicação de uma pena, que nos casos mais graves poderá corresponder á prisão. O castigo surge, neste caso, não apenas na privação da liberdade, mas também na limitação do convívio com familiares e amigos, no quotidiano monótono do interior dos muros da prisão e na sujeição a condições de vida, em geral, inferiores àquelas que o conforto do lar proporciona. Vem tudo isto a propósito da polémica que tem rodeado a transferência de reclusos do Estabelecimento Prisional de Santarém para o Estabelecimento Prisional de Évora, recém transformado em presídio para elementos das forças de segurança e outros reclusos com necessidades de protecção especial. A questão é muito simples e se não estivéssemos a falar dos Reclusos especiais de Santarém, nem sequer tinha vindo a público, por irrelevante. O Estabelecimento Prisional de Santarém foi criado em 1998 para receber elementos da PSP; GNR, PJ, SEF e outros reclusos com necessidades de protecção especial, sujeitos a prisão ou detenção. Aquando da sua instalação, o Estado investiu cerca de 1,7 milhões de euros em obras nas instalações do antigo presídio militar. Volvidos cerca de nove anos, o governo decidiu extinguir o EPS, desperdiçando o avultado investimento feito na sua remodelação, e transformar o EPE em prisão para reclusos e detidos que exerçam ou tenham exercido funções em forças ou serviços de segurança ou com necessidades de protecção especial, determinando a transferência dos reclusos de Santarém para a remodelada prisão de Évora. Com esta opção política desperdiçou-se o investimento feito em Santarém há apenas nove anos, gastaram-se mais uns euros nas obras realizadas em Évora, o que nos permite avaliar a forma como é desbatratado o dinheiro dos nossos impostos e gerou-se uma onda de resistência e de revolta nos reclusos de Santarém, que recusam a todo custo aceitar a transferência para Évora, recorrendo alguns à greve de fome como manifestação de protesto. A posição dos reclusos de Santarém assenta em dois argumentos. Por um lado, o facto de ficarem geograficamente mais afastados da família e por outro as piores condições de alojamento do EPE, pois enquanto em Santarém dispõem do celas individuais com casa de banho e duche privativo, em Évora terão que repartir celas e casas de banho. Estes argumentos não têm cabimento num Estado de Direito Democrático, porque estes reclusos não são nem mais nem menos que os outros, todos cumprem pena pela prática de crimes e todos são iguais perante a lei. A única diferença reside apenas na necessidade de especial protecção, imposta por razões de segurança, que desaconselha a reclusão em estabelecimento prisional comum, para evitar situações como a do agente Severino da PSP que foi agredido por outros reclusos quando se encontrava em prisão preventiva. Excepção feita quanto a este particular, os reclusos de Santarém têm os mesmos direitos e deveres dos outros reclusos, por isso não se compreendem os seus protestos. A vinda para Évora afasta-os geograficamente das suas famílias, mas afinal é comum a rotatividade dos reclusos entre estabelecimentos prisionais durante o cumprimento da pena, sobretudo das penas de prisão mais longas. Quanto às condições de alojamento poderá o EPE não ter o conforto que o EPS proporciona, mas em contexto prisional o conceito de acomodações razoáveis apenas deverá corresponder ao conforto básico, compatível com a dignidade humana. Aos reclusos, sejam eles quais forem, não pode ser assegurado o conforto e comodidade de um hotel de cinco estrelas. Neste particular, o EPE tem acomodações razoáveis em contexto prisional, tanto assim, que durante muitos anos albergou centenas de reclusos que ali cumpriram pena de prisão em condições compatíveis com a dignidade humana e note-se sem as benfeitorias que as obras agora realizadas introduziram, especificamente para receber os reclusos de Santarém. A todos é assegurado o direito de reivindicar mas devem fazê-lo dentro dos limites do razoável, porque direitos todos têm, mas nem todos podem ter aquilo a que acham que teriam direito.
Hélder Rebocho
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