segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Uma chatice

25-Feb-2008
Crescemos a infância e a adolescência na escola. Inevitavelmente começamos a trabalhar – excluindo os sortudos que nascem sem essa necessidade inadiável. Mais cedo ou mais tarde constituímos família. E continuamos a trabalhar almejando o futuro apenas no trabalho. A reforma é um horizonte que fica para lá do meio da vida, depois de já termos esgotado a paciência para quase tudo.
Desde muito cedo, se calhar mesmo antes da escola, percebemos que o intuito de andarmos às voltas pelo mundo era nem mais nem menos que a inevitabilidade de um dia trabalharmos. Fomos empinando as sebentas ao longo de um ror de anos para terminar os estudos com notas que nos tornasse atractivos para o mercado de trabalho. Outros, bastantes, empinaram muito pouco e desde muito cedo começaram a vergar a mola no deus dará da aprendizagem por conta dos calos. E lá fomos formigando a vida intervalada de fins-de-semana e férias anuais. Os putos foram aparecendo ao ritmo da experimentação de sermos pais. E foram crescendo cada vez com mais necessidades a esvaziar os bolsos dos progenitores. E lá continuámos a formigar com os olhos numa vida melhor para a descendência e, já agora, num certo alivio também para nós. Ainda que em desacordo com esta porca miséria de vida, contam-se pelos dedos das duas mãos as greves que fizemos. Poucas mais vezes que isso levantámos deliberadamente a voz conta a injustiça social. Enfim, fardámo-nos daquela postura de gajos com o pescoço afeito à canga do tu vê lá não estragues a vida. O trabalho, também não nos dá margem para mais que roermos este tédiozinho de trabalhadores. Ainda por cima ficámos a dever uma carrada de favores ao banco que emprestou o dinheirito para a compra do lar que até parece que é nosso mas finalmente não é. É do banco até um dia a que nunca mais se vê o fim. E os gajos a apertarem-nos o garrote do custo de vida. E o aprovisionamento de presunto a transformar-se em fiambre de terceira. E a carne de vaca vai-não-vai quase a ser o índice da bolsa. Resta-nos o porco e o frango de aviário que também nos aguentam o esqueleto. E nós a esgatanhar pela vida acima a ver se conseguimos manter a cabeça à tona dos compromissos. A mensalidade do carro e a porra do respectivo seguro, o telefone fixo e a paranóia dos móveis distribuídos a esmo pela família, o fisco, o fiscozinho que até dá náuseas a um morto, e o que mais se sabe e que desespera qualquer mortal nas mensalidades liquidadas com língua de fora. Votámos quase sempre naquele que nos acenou com o alargar do cinto. Tretas de encantadores de serpentes. Logo que no poleiro, mais uma rima de rigores para entortar ainda mais o espinhaço do mexilhão. E agora de repente um homem vê-se com o cabelo grisalho e a vida quase no mesmo ponto onde começou a labutar. Os putos estão licenciados, mas ela é caixa de hipermercado e ele dá aulas por aqui e por ali, retribuindo ao magro pagamento o inevitável recibo verde. E eles a acenarem-nos a nós com o quadro de disponíveis e a flexibilidade no despedimento. Agora, nesta altura do campeonato em que pensávamos já na reforma livre de maiores constrangimentos. Pensamos agora no sangue na guelra da juventude que nos empurrou para o trabalho com o almejo de começarmos uma vida por nossa conta e risco. Infelizmente, continuamos ainda apenas por nossa conta, já que não esperamos mais nada a não ser mais do mesmo. Infelizmente também o risco acresceu até sabe-se lá aonde. Tudo isto depois de uma vida inteira a trabalhar. Que chatice!


Joaquim Pulga

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostava que publicassem uma noticia no vosso blog, que posso fazer?

Obrigado Artur Roma
roma.ar@iol.pt

francisco tátá disse...

A notícia que venha. Envia para francisco.tata@gmail.com
Um abraço
Chico