Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/
Uma nota sem estupefacção
04-Feb-2008
O extraordinário não foi o que disse e que reconfirmou. O invulgar foi ter sido uma pessoa de dentro do sistema a escancarar a voz. Geralmente o atrevimento da impertinência só chega até ao dia que se sobe o degrau do estatuto. Depois, à que respeitar o pacto de silêncio quanto a não disparatar inconveniências contra o sistema de que também se faz parte. Tacticamente deve-se manter a postura bem composta no aforismo africano do macaco: cego, surdo e mudo. O assim não proceder, ao mandar pedras aos telhados dos outros corre-se o risco de um dia nos atingirem os nossos que também são de vidro. É esta, infelizmente, a cartilha do pensamento dos nossos políticos. É esta a cartilha a que se obrigam voluntariamente os nossos dirigentes quando trepam a um lugar de responsabilidade do nosso poder. É este o fadário das nossas fadas políticas. É esta a omertá que o nosso império teceu e que continua a tecer. Pobre povo que elege e arca com tais salafrários. E se porventura algum gato deixou o rabo de fora, anémico povo que assiste impávido e sereno, no órgão máximo de soberania legislativa, ao desfilar de sucessivas comissões de inquérito que não inquirem patavina. Ou se inquirem, apenas inquirem o vazio da contumaz irresponsabilidade da prescrição. O bastonário apenas se portou como um cidadão honesto e um profissional responsável, mau grado o escarcéu das virgens ofendidas pelo descaramento de um seu par. O jurista Marinho Pinto apenas disse e reafirmou o que há muito tempo vem dizendo: "Manifestou a sua indignação relativamente à existência de uma criminalidade de colarinho branco que se pratica quase impunemente na sociedade portuguesa". Coisa que qualquer cidadão mais atento sabe até à exaustão ser verdade. Os negócios de milhões com o estado, tendo por matérias bens do património público, quase sempre em conexão com as mesmas pessoas e grupos económicos únicos. Coisa que qualquer cidadão mais atento detecta nas notícias do dia-a-dia do país. Que há pessoas que amontoaram grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se conhecesse a real origem do enriquecimento. São factos que qualquer cidadão sem precisar de estar muito atento vislumbra, aqui, na parvalheira, ao passar da passadeira e atentar no topo de gama que parou anteriormente. Um homem da causa disse um dia que o melhor da festa não é estar no poder, mas sim no que se segue ao sair. Sabia por demais do que estava a falar. Sabemos por demais do que estava a falar. Lá, dos que estão no topo da pirâmide do poder, cá, dos que andam pelo sopé do mesmo poder. É uma evidência que nos entra pelos olhos até à exaustão. É uma evidência que eles se perpetuam indistintamente da coloração que servem e de que se servem. Ou não fosse tão grande o afã de esgatanharem até lá acima mesmo que para isso tenham de vender a mãe. Para coroar o bolo, recordo ainda palavras do bastonário para reafirmar a pobreza do estado de sítio em que continuamos a viver: "Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de que o sistema judicial é forte e severo com os fracos, e fraco, muito fraco e permissivo com os fortes". Com uma antiguidade bem medida, está numa das paredes, do antigo tribunal da antiga comarca de Monsaraz, escarrapachado num fresco a imagem do juiz com duas caras que sorri para o rico que o presenteia com um molho de pombos e se mantém bisonho para o que nada lhe oferece. O meu aplauso por mexer na ferida bastante infectada da sua classe senhor bastonário. Joaquim Pulga
Joaquim Pulga
A política e os políticos
05-Feb-2008
Quando conheci Ferro Rodrigues, na altura Secretário Geral do Partido Socialista, fazia quase um ano que o escândalo Casa Pia ocupava os jornais e as atenções do País. Alguém me apresentou como o dirigente estudantil a quem o Governo estava a dificultar a vida e ele, com problemas bem maiores, disse-me cordialmente: para lidar com os obstáculos haja determinação e firmeza. Hoje poucos têm dúvidas que Ferro Rodrigues tenha sido alvo de uma campanha caluniante que o prejudicou profundamente. Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados não receou dizer que houve orientação política na investigação da Polícia Judiciária e que a intenção era a de decapitar a direcção do PS. Mergulhar na actividade política e, por consequência, na exposição pública, é uma decisão que muda definitivamente a vida de quem o faz e das suas famílias. Essa decisão supõe uma reflexão madura, profunda, sincera e uma impiedosa auto-análise sobre até onde se está disposto a ir por uma causa ou uma ideia e o que se está disposto a aceitar como implicação daí decorrente. Julgo que uma das razões mais relevantes que afastam muitas pessoas da vida política tem que ver com a sua indisponibilidade para aguentar agressões, acusações e calúnias ou boatos. O recurso a estes estratagemas é usado, com frequência, nas disputas políticas e por isso é também habitual assistirmos a ataques pessoais entre candidatos opositores, uns mais descarados, outros encapotados. Na ordem dos primeiros lembro a campanha das últimas legislativas, uma das mais negativas que assistimos na nossa vida democrática, onde o actual primeiro-ministro foi vítima de alguns golpes de tom sexual ligeiramente demente. Este modus operandi parece contribuir para a ideia negativa que a maioria das pessoas tem formada da política e dos políticos. Para o bem e para o mal a vida dos políticos tem forte projecção nos media e, se bem que estes possuam um poder escrutinador que garante a qualidade da democracia, expondo crimes, corrupção e mentira, são também, por vezes, caixas de ressonância do escândalo e da infâmia gratuita. O exemplo dado aqui é um dos maiores que conheço. Mas podia referir outros, que se desenrolaram à escala mundial como os que abalaram Joschka Fischer, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chanceler da Alemanha, envolvido injustamente nos crimes violentos da Fracção do Exército Vermelho de Baader e Meinhof, ou Daniel Cohn-Bendit, a cara do movimento de Maio de 68, acusado levianamente de pedofilia. Portanto não deixa de ser corajosa a decisão daqueles que querem dedicar a sua vida à política, no sentido da arte nobre, feita por quem está disposto a correr riscos para defender uma causa ou uma ideia. Não consigo embarcar na facilidade com que se acusam os políticos. É que é muito mais sério, honesto e útil discutir políticas e não pessoas, se bem que mais difícil. Haja para isso determinação e firmeza. Obrigado e até para a semana.
Francisco Costa
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