quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM (DUAS)



Crónica de Hélder Rebocho

31-Jan-2008
Está cada vez mais difícil a vida de José Sócrates e do seu Governo. A par da instabilidade económica que tarda em dar sinais de crescimento, surgem medidas polémicas, que longe de resolver os reais problemas do país, apenas servem para acicatar o natural desagrado dos Portugueses perante opções políticas de remedeio que vão acrescentando remendos em cima de remendos, sem nada de concreto solucionar. Da economia à educação, da justiça à saúde, passando pelo emprego ou pela falta dele, sem esquecer a função pública, nada escapa ao vendaval de orientações políticas traduzidas em opções que têm tanto de incompreensíveis como de injustificadas. Governar com avanços precipitados aos quais se seguem recuos previsíveis tem como consequência a estagnação.
Já nos vamos habituando às promessas, planos e garantias que hoje são dadas e que amanhã não se cumprem, às mudanças de rumo que invariavelmente dão em nada ou tornam pior aquilo que já era mau. Revolve-se, muda-se e o resultado é uma mão cheia de nada, justificada com desculpas de mau pagador. Os episódios vão-se sucedendo, o caso da saúde é disto um bom exemplo. Depois de tantas e tão auspiciosas promessas reformistas, que geraram perspectivas de melhorias na assistência médica a breve prazo, constatamos, com indisfarçável frustração, que continua tudo na mesma ou pior ainda do que estava antes das brilhantes mentes que governam o nosso país começarem a inventar soluções desenquadradas, adaptadas fora do contexto de uma política orientada por reformas de fundo. Encerraram-se maternidades, centros de saúde e urgências, reestruturou-se o INEM, tudo em nome da reforma no sector da saúde, mas as lacunas da assistência e da emergência médica não foram solucionadas e são evidenciadas quando episódios tantas vezes trágicos vêm dar razão aos protestos dos populares, sempre desvalorizados pelo Governo com desculpas e argumentos que funcionam como peneiras para tapar o sol. Na passada semana diversos órgãos de comunicação social deram a conhecer ao país o diálogo surrealista e chocante estabelecido entre uma operadora do INEM e duas corporações de bombeiros, no âmbito de um pedido de assistência médica urgente a um cidadão que estava em perigo de vida. Este episódio caricato veio por a nú as fragilidades do reformulado sistema nacional de saúde e só não serve de anedota porque falamos da vida de alguém que poderia ser qualquer um de nós. O mais preocupante, no entanto, é que este episódio foi apenas mais um capítulo do livro negro em que se transformou a assistência médica em Portugal. O caso só surpreende quem nunca telefonou para o 112, pois quem já o fez pode testemunhar o exaustivo interrogatório a que é sujeito e a difícil tarefa de ser transformado, tantas vezes sob enorme tensão, em socorrista “à la minute” pelos operadores do INEM, enquanto uma vida humana corre contra o tempo numa luta onde alguns minutos fazem a diferença entre a vida e a morte. Em resposta o Ministro da Saúde veio tentar justificar o injustificável com mais uma desculpa, mais uma peneira para tapar o sol intenso. Pediu aos órgãos de comunicação social e aos Portugueses para não descredibilizarem o INEM, esquecendo que a sua descredibilização começa no próprio governo, afinal o responsável pela definição de políticas, dotação de meios e organização da emergência médica. É inacreditável a propensão deste governo para virar o bico ao prego, lavando as mãos como Pilatos sempre que se trata de assumir as responsabilidades pelas consequências das suas próprias opções políticas.
Hélder Rebocho 30.01.2008

Clima estranho

31-Jan-2008
Paira no ar um certo alívio. Correia de Campos deixou de ser ministro e as pessoas que viam com preocupação o caminho que o Serviço Nacional de Saúde estava a tomar, parece terem razões para sorrir. Alguns prestaram declarações cheias de optimismo e esperança dando, como é politicamente correcto dizer-se, o benefício da dúvida à ministra ontem empossada. Confesso que não acompanho, para já, esse optimismo. A questão não é pessoal e não depende da vontade da ministra que agora inicia funções.
A questão é política. A mudança de titular da pasta não significa, como já o afirmou o primeiro-ministro, uma mudança de política. Significa apenas a substituição de um actor desgastado e que já não conseguia esconder a irritação perante a contestação popular das opções do governo na área da saúde, por alguém mais fresco, com melhor imagem junto dos cidadãos para prosseguir a mesma política. No fundo, o que o primeiro-ministro pretende com a troca de actores mais não é do que aumentar a eficácia na execução da mesma política. A população de Anadia e Vouzela, que se manifestou ontem junto à Assembleia da República, tem plena consciência de que a luta por serviços de saúde próximos das populações não termina com a queda de Correia de Campos e por isso mantiveram a acção de protesto. Se Sócrates pretende com esta substituição apaziguar a contestação sem mudar de rumo, bem pode tirar o cavalinho da chuva. É possível que consiga acalmar Manuel Alegre e mais uns quantos críticos internos, mas não consegue iludir os que sentem na pele os efeitos das opções tomadas. O primeiro-ministro prometeu que não encerrariam mais serviços sem primeiro estarem criadas as alternativas necessárias. Depois do que fez a muitas das promessas eleitorais já ninguém o leva a sério. O clima que se vive na nossa sociedade é de indignação crescente. Sente-se cada vez mais que dificilmente o PS conseguirá reunir nas eleições de 2009 o mesmo capital de esperança na mudança, que conseguiu em 2005. A sensação de logro generalizado começa a atravessar as próprias fileiras do partido do governo e é neste quadro que emerge um bastonário da Ordem dos Advogados que resolve afirmar em voz alta e com o peso do lugar que ocupa, aquilo que se ia dizendo à boca pequena. Rapidamente congregou à sua volta manifestações de apoio, fora do quadro corporativo para que foi eleito, pelo desassombro com que faz afirmações óbvias disparando em todas as direcções. Que a justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes, que a promiscuidade entre funções públicas e privadas potencia a prática da corrupção, que haverá gente que dificilmente conseguirá explicar a origem de enriquecimentos súbitos, são coisas de que todos os cidadãos têm a percepção e que o próprio Marinho e Pinto já tinha afirmado antes. A diferença é que o faz agora na qualidade de bastonário de uma ordem profissional e isso muda tudo, como se pode ver pela reacção que provocou. Este caldo tem os seus perigos para a democracia. É dele que costumam emergir os salvadores da pátria e os homens ou mulheres providenciais e todos sabemos como essas histórias costumam acabar. Por mim continuo a achar válida aquela parte de um famoso hino: “façamos nós por nossas mãos / tudo o a que nós nos diz respeito”.
Até para a semana
Eduardo Luciano

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