segunda-feira, 26 de novembro de 2007

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

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Do tubo da vaselina - Joaquim Pulga

26-Nov-2007
A resolução do Conselho de Ministros 96/2000, considera a gastronomia portuguesa como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal. Diz ainda o texto da resolução: "Entendida como fruto de saberes tradicionais que atestam a própria evolução histórica e social do povo português, a gastronomia nacional integra pois o património intangível que cumpre salvaguardar e promover. O reconhecimento de um tal valor às artes culinárias cria responsabilidades acrescidas no que respeita à defesa da sua autenticidade, bem como à sua valorização e divulgação, tanto no plano interno como internacionalmente".
Confessou o presidente da Misericórdia de Faro, que adjudicou recentemente o fabrico das refeições a uma empresa de catering. Da referida medida resultou o fecho da cozinha que até aí confeccionava as refeições para os utentes do lar da Santa Casa. Explicou que a causa da decisão se cingiu ao evidente receio que uma inspecção procedesse ao encerramento da cozinha. Lamentou ainda o facto de os utentes passarem a comer peixe congelado em vez do peixe fresco adquirido no dia, passarem a comer ovos pasteurizados em pó em vez de ovos frescos. Veiculava ainda o presidente, as lamentações dos próprios utentes relativamente ao sabor desenxabido da nova alimentação. Consta ainda da notícia, que outras misericórdias se preparam para seguir o exemplo de Faro. As actividades da restauração e comércio de bebidas vivem tempos de temor. Trabalham com o credo na boca na espera de mais dia, menos dia, mais hora menos hora lhes entre pelas portas adentro uma inspecção que encerre a baiuca por dá cá aquela palha. Não foram poucos os que já experimentaram a sanha inquisitorial da nova autoridade alimentar. A antiga e incontornável Ginjinha das Portas de Santo Antão, em Lisboa, foi compulsivamente encerrada. Possivelmente a faca com que cortavam as rodelas de limão não tinha a cor do cabo de acordo com a nomenclatura regulamentar. O Festival Nacional de Gastronomia de Santarém viveu momentos de pandemónio com a ostensiva presença de um bando de inspectores, que com um alarde policial desmesurado viraram do avesso as comedorias presentes à cata do pecado escondido atrás da alheira de Mirandela. Os vendedores de rua de castanhas assadas foram forçados a embrulhar as ditas em cartuchos de papel branco. Está interdito o aproveitamento das páginas das listas telefónicas, calhando por temor do contágio das páginas amarelas. Não tarda muito que lhe tranquem a actividade por o carvão ter teores nefastos de um dióxido qualquer. Estamos fartinhos de nos conhecer como o povo da cunha, do dá aí um jeitinho que eu caibo também, da arte do desenrasca, do perante a distracção do próximo lhe passar descaradamente a perna. Perante tanto deixa andar, vá-se lá saber desta fobia nacional de ser mais papistas que o papa no que toca a cumprir à risca tudo o que nos é imposto do exterior, no caso, da organizadinha, fundamentalista e asséptica União Europeia. Os outros povos mediterrânicos, espanhóis, franceses, italianos, gregos e por aí fora, estrebucham que se fartam. Lá vão cumprindo muito há sua maneira sem venderem a alma ao diabo. Nós, não! Ainda os assanhados funcionários eurocratas não despiram as calças, já nós temos o tubo da vaselina na mão. Perante um qualquer dedo em riste comunitário, ficamos logo na subserviente posição ajoelhada. A Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica é o espelho mais cristalino desta posição acocorada. E pronto, os referidos autoritários bordam e pintam a manta alegremente escarranchados no poder do crachá e do colete policial. Aos costumes, à tradição e ao património nacional dizem zero. Eles não são os representantes da autoridade, são – pensam eles – a autoridade.
Joaquim Pulga

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