quarta-feira, 31 de outubro de 2007

RECORDAÇÕES DA MINHA VIDA

Introdução:

Nascido no Alandroal, amigo dos tempos de infância, amizade que perdura até aos dias de hoje, Homero, é a partir de hoje mais um colaborador que vem enriquecer este espaço.
“Emigrado”, como tantos outros, procurando uma vida mais digna e uma profissão mais consentânea com as suas aptidões, nunca perdeu a ligação à sua terra natal, onde manteve os amigos de outrora, acrescentando-lhes os da nova geração, que conquista preservando valores como a amizade, camaradagem e saber viver.
São textos despretensiosos, umas vezes mais alegres, outras não tanto, que nos dão conta de uma vida sofrida, mas recompensada pelo reconhecimento de valores que se vão perdendo com o evoluir da sociedade.
O AL TEJO fica-lhe grato, e pela minha parte orgulhoso de poder contar com amigos como o Homero.
Xico Manel


Recordações da minha VIDA…

E chorei, sem vergonha!...

Decorria o ano de l970,lá para os finais de Outubro, em que os ventos se faziam sentir com bastante garra e ruído, anunciando a próxima época de chuvas, pelo planalto de Mueda, norte de Moçambique.
Estava eu e o meu querido DAKOTA 6159,estacionado em Mueda para mais uma missão do bocas. (missão que tinha o intuito de comunicar com as populações locais, através de um sistema de altifalantes, instalados junto á porta do avião)
Naquele dia, porque o referido vento estava de mau humor, (com 25 knots de rajada cruzado á pista), tínhamos regressado mais cedo a Mueda para evitar que o dito cujo nos atingisse com alguma ferocidade
Quase ao anoitecer, estava muito calmamente ali pelas bandas do BAR, bebericando uma cerveja fresca (Laurentina, ai que saudades!!!), quando sou chamado ao meu comandante e amigo Tenente Bigodes, pois havia necessidade de efectuar urgentemente uma evacuação para o Hospital de Nampula de um ferido com um estilhaço de mina alojado no cérebro. Assim sendo, lá tive que desmontar as gaitas (nome que atribuíamos á aparelhagem sonora instalada) todas, que ainda pesavam um bocado, para poder entrar com a maca no avião e fechar a porta.
Reunida toda a tripulação, foi-nos explicada a delicadeza e gravidade do voo que tínhamos que efectuar, sendo de pronto afirmado por todos a vontade de o fazer. Se bem me lembro, o co-piloto era o Havana,(só fumava tabaco Havana, cigarro sem filtro com papel castanho e um pouco aromático! gostos!...)o rádio/telegrafista era o Pires e o meu ajudante era o MMA Galo.
Fizemos o Briefing do voo antes do ferido chegar e devido á localização do ferimento não poderíamos voar muito alto (enquanto pudéssemos), ou seja, o ideal seria voar o mais baixo possível. mas como era quase noite e a naquela área as montanhas são algumas e altas, é bom de ver que forçosamente teríamos que subir para um nível de segurança, que nos permitisse ultrapassar as montanhas e aterrar em Nampula , de preferência com uma descida directa e longa ao aeroporto local, de forma a não provocar grandes oscilações de pressão no cérebro do doente, pois como devem calcular o DAKOTA era e ainda é, uma aeronave não pressurizada. Se o fosse, não haveria problema algum.
Para além desta contingência tínhamos a componente de vento cruzado na descolagem, que não nos dava grandes facilidades, mas é nestas situações que se vêem os bons profissionais! Ficou definido que a asa do lado do vento seria mantida em baixo, até atingir-mos a rotação e assim foi feito. Para mim a descolagem foi espectacular!!!, assim que tivemos rodas no ar, foi logo trem dentro, flaps a subir, primeira redução 2550 rpm,25 de PA e cauda ao vento, parecíamos um 737 a subir! com 25 knts de cauda era uma beleza!... Para quem não sabe, a descolagem foi feita quase de noite e, a pista de Mueda tinha uma iluminação bastante rudimentar, como alguns de vós devem estar perfeitamente lembrados (os que passaram por lá),eram utilizados candeeiros a petróleo!!!
Enquanto nos foi possível lá fomos voando o mais baixo que podíamos, mas por volta do rio Lurio, a situação agravou-se, não conseguíamos ver nada para o exterior (visibilidade 0), assim sendo só nos restou subir para 8000 ‘.
O tempo estava assim um pouco farrusco, havia uns cúmulos por ali e acolá e também alguns caroços mais densos no meio daquela negrura toda, por isso apanhamos umas porraditas mais ou menos fortes
Nada que nós não estivéssemos habituados.
O ronronar daqueles belos Pratt & Whitney, dava-me um gozo sensacional, sempre gostei de ouvir o ruído dos motores, e mais gozo me dava quanto tinha que acertar as rotações (naquele tempo era tudo feito de ouvido), naquela noite eu ia falando com eles, e dizia eu !!, meus queridos portem-se bem , e deixem-me levar este rapaz ao hospital a Nampula!!!...Os motores foram impecáveis!!
Como não havia outra alternativa, lá nos fomos mantendo no nível 8.0 esperando que na aproximação a Nampula o tempo estivesse limpo e nos permitisse fazer uma descida longa e suave. A minha adrenalina começou a subir, será que ele vai aguentar a descida em Nampula? a nossa fé era que pudéssemos fazer uma descida visual, mesmo sendo de noite mas infelizmente não foi nada assim.
Em Nampula chovia um pouco, como tal, não tínhamos grande visibilidade. A descida teve que ser feita por instrumentos! E o homem que todos nós queríamos salvar, acabou por morrer nas nossas mãos quando já tinha atingido o lugar onde eventualmente seria salvo!!!....
Quando tiraram o corpo do avião, os meus olhos estavam cheios de lágrimas. Chorei como toda a gente chora. Doeu-me imenso cá dentro!!!...A minha frustração foi profunda. No fundo, aquilo que mais me revoltou, e me fez sentir o quanto pequenos e insignificantes nós somos, em determinadas situações da nossa vida , foi a incapacidade que senti, por não estar nas minhas mãos o conhecimento para o salvar, mas por outro lado, havia dentro mim a consciência de ter assumido e interpretado um lema que sempre foi imensamente querido e grande para mim, o da minha querida Esquadra de Busca e Salvamento Nº41 – PARA QUE OUTROS VIVAM!
Penso que, enquanto humanos que somos , devemos contribuir com algo de nosso em relação á sociedade que nos rodeia, de forma a torná-la mais harmoniosa, mais amiga, mais justa e acima de tudo, que haja mais sentido de responsabilidade e vontade de fazer bem feito, que todos nós sintamos prazer e gosto em assumir tudo isto, pois se não sentir-mos as coisas desta forma ,estamos actuando automaticamente, somos máquinas e não humanos. E nada há de mais nefasto para a nossa sociedade, do que sermos máquinas!!!....Acima de tudo, deixem os sentimentos agir!!!Mas digo-vos mais, é impossível calcular aquilo que sentimos, o quanto o nosso ego fica engrandecido, depois de efectuar-mos algo bem feito e de bom para os OUTROS!!!!....
Vivam e gozem a VIDA….
Deixem os invejosos falarem, façam de conta que não existem, sejam superiores a tudo isso !!!.....
Tenham a altivez de assumirem aquilo que são!!! Mas nunca se esqueçam, o respeito pelos outros, faz de nós MAIORES!!!!...
Um abraço,
HOMERO

6 comentários:

Anónimo disse...

Bonito!!!!

Dina disse...

No meu trabalho lido, dia-a-dia com estas frustrações e vitórias... e percebo bem os sentimentos que descreve! Há quem diaga que com o tempo nos vamos tornando mais frios e as coisas nos vão deixando de atingir mas eu não acredito. Sou enfermeira e tinha uma professora na escola que dizia que, no dia que nos deixássemos de emocionar,nos devíamos afastar para olharmos para nós próprios. Nunca tendo esquecido isto, todos os dias verifico quão verdade é o mote com que termina o seu texto...torna-nos mesmo maiores!

Anónimo disse...

Meu herói grego no Alandroal nascido,gostei do teu texto e do entretecido de leitores que podes vir a criar.

Um abraço,AB.

Anónimo disse...

A simples beleza deste texto,é que tem tanto de telúrico como de espacial e humano.Vê-se... o VOO como Homero o sonhou para a natureza humana.

Naquela circunstância,Voavam os Dois no céus.Simplesmente, Um haveria de por lá ficar...mas o Outro soube como contar.

ANB

Anónimo disse...

Um foi par o céu.
O outro desceu para nos contar.
O destino assim o quis.
E porquê?!
Porque é que homens que não tinham vontade absolutamente nenhuma de irem tão prematuramente para o céu, acabaram por ir para céu, o tal céu que não é céu nenhum mas sim a terra, a terra que tudo cria e tudo come?
Sacrificaram-se em nome dum ideal que partilhavam?
NÃO!!!!!!!!!!
Foram sacrificados inutilmente por maníacos incompetentes, a quem o destino dá poderes, que nunca chegariam a ter se de facto esse tal céu existisse.

Anónimo disse...

E os amigos da nova geração (e não ~são poucos9 conquista-os com um espirito eternamente jovem e com a simplicidade que os amigos devem dedicar uns aos outros.
Bem haja e parabens ao Al tejo por mais uma significativa colaboração