sexta-feira, 26 de outubro de 2007

PÁGINAS SOLTAS

Textos elaborados pelo Dr. Alexandre Laboreiro, que amavelmente acedeu ao convite para connosco colaborar.
São artigos versando diferentes matérias, que ao fim e ao cabo reflectem uma maneira de estar e constituem autênticas lições de história.
Al Tejo agradece a colaboração da Folha de Montemor, que nos facilitou os suportes para a transcrição.


A Democracia e os fundamentalismos

«Ensine-se a ler, claríssimo está; mas (façamo-lo) tão só como instrumento da verdadeira obra educativa, que é a realização da cultura crítica, da disciplina do homem pelo seu próprio intelecto, da concentração (do espírito) e da “mesura” ética, da lucidez, (da objectividade), do movimento centrípeto, - em suma, da vontade geral - no ânimo de cada um de nós.»

António Sérgio
(in “Democracia”)


No seu oportuníssimo estudo “Da Democracia na América”, Alexis de Tocqueville constata: “Entre todas as novidades que me chamaram a atenção durante a minha estada nos Estados Unidos, nenhuma me impressionou tanto como a igualdade de condições. Não tive dificuldade em descobrir a influência prodigiosa que este primeiro facto exerce no funcionamento da sociedade. Ele transmite uma certa orientação ao espírito público, dá uma determinada feição às leis, proporciona máximas novas aos governantes e hábitos peculiares aos governados. Cedo me apercebi de que a sua influência vai muito para além dos costumes políticos e das leis, e que o seu domínio não se faz sentir menos na sociedade civil do que no governo; gera opiniões e sentimentos, sugere usos e modifica tudo aquilo que não engendra”. Ora, sem dúvida que as virtudes éticas da Democracia; os seus valores culturais (face à Liberdade, ao pluralismo de opiniões, à Igualdade de oportunidades, à prática do debate, à sua essência fraterna, ao exercício da soberania pelos cidadãos, à participação colectiva na gestão da vida pública) contrastam flagrantemente com os regimes fundamentalistas - que impõem a uniformidade e a conformidade, que clamam a urgência de “pertencer a” e o desejo de fazer com que todos os demais “pertençam a”, que obrigam ao culto da personalidade, que conduzam à idealização de líderes políticos ou religiosos, e à adoração de indivíduos eivados de uma demagogia, que pregam a violência e o chauvinismo agressivo, que elegem uma atitude de superioridade moral (mesmo que impeçam a obtenção de consensos), que bloqueiam o espírito crítico, o livre exame, o debate entre o colectivo.
Porém, felizmente, no “interland” ocidental as práticas democráticas (eleições livres, assembleias representativas, debate político, partidos políticos, pluralismo político, o direito à oposição, a prática da alternância, uma imprensa livre, a liberdade de associação, uma possibilidade de acesso - dentro de uma estrutura social democrática - a vários níveis de governação: local, regional e nacional), vão-se mantendo numa sociedade que beneficia de uma cultura política democrática.
No entanto, actualmente, a cultura democrática parece revelar alguns problemas (mesmo nas fronteiras ocidentais - incluindo os Estados Unidos): o identificarmo-nos menos por aquilo que fazemos e cada vez mais por aquilo que somos, ou a que pertencemos (classe social, etnia, sexo, religião, nível etário, nacionalidade, etc.), a rarefacção do hábito do debate, o declínio do associativismo (político, cívico e cultural), decréscimo da filiação sindical, o decrescendo da leitura de jornais, o predomínio das campanhas/espectáculo em actos eleitorais (com penalização do debate e do esclarecimento), a vulgarização do funcionalismo pago nas organizações cívicas, em detrimento da militância, o crescendo (nos Estados Unidos) das formações religiosas fundamentalistas ou evangelistas - contra as quais nasceram as lutas democráticas (num combate à ortodoxia doutrinal e religiosa).
Aprendamos, então, com o passado. Consciencializemos o presente. E, sobretudo distanciemo-nos da utopia “punk”, (quando preconiza: “nada de futuro!” ); pelo contrário, visionemo-lo? Incluamo-lo na programação das nossas vidas - repudiando a banalidade, reafirmando os Direitos do Homem, lutando pelo ordenamento do território, fomentando democraticamente a aculturação, aproximando os cidadãos do debate democrático e das organizações cívicas: em suma, criando um mundo em que o Homem viva em dignidade. Afinal, diz-nos Raúl Proença (um dos ideólogos da I República Democrática): “Qualquer doutrina política, pois, que dê a primazia a uma minoria sobre a humanidade em globo - como as que dêem a primazia “às coisas sobre as pessoas” - à multiplicação dos objectos úteis sobre a dignidade de cada homem - devem ser repelidas como contraditórias do ideal de humanidade. É necessário compreender claramente que todo o progresso social é ilusório quando, concorrendo para o aperfeiçoamento e multiplicação das coisas, produz inevitavelmente a degradação das pessoas ... O fim do Estado não é fazer passar os homens da condição de seres de razão à de bestas de carga ou de autómatos. O grau em que cada regime contribuir para realizar em todo o homem o ideal de humanidade será portanto e exacta medida do seu valor. Não viemos ao mundo para comer, mas para viver em espírito. O que é meio de vida não pode ser o fim da vida”.
Mas, quem dá realidade a uma democracia ? O cidadão de caracter e de espírito crítico, que consegue dominar os seus próprios nervos e que sabe opor aos variados poderes (pelos seus juízos) uma resistência pacífica, obstinada, lúcida; aliás, a verdadeira reforma da sociedade não depende só de um remédio mecânico a ela aplicado de uma vez para sempre: tem de estribar-se simultaneamente numa acção moral de todos os dias (como nos diz António Sérgio). Aliás, o socialismo eterno e mais profundo é o de carácter ético e idealista - como Antero de Quental no-lo transmitiu.

José Alexandre Laboreiro

Publicado in: Folha de Montemor,Junho 07/06

1 comentário:

Anónimo disse...

Eis um artigo pleno de actualidade
e Humanismo.
A alusão pefeita ao pensamento humano, ao pensar pela própria cabeça. Critica o seguidismo, logo a sujeição do homem pelo homem.
O Homem deve ser cada vez mais
interventivo, dizer que estou aqui,
para evitar as prepotências e o caminhar para o antigamente.
Ben hajam estas vozes aue não adormecem.