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Crónica de Hélder Rebocho
quarta-feira, 24 Outubro 2007
De entre os meios de obtenção de prova previstos no Código de Processo Penal, as escutas telefónicas assumem particular destaque, não porque sejam o meio de prova mais frequente ou aquele que se revela mais eficaz, mas porque se situa no limite da legalidade, constituindo uma importante excepção ao princípio fundamental da reserva da intimidade da vida privada.
Tanto assim, que constitui um meio de prova com uma natureza excepcional e portanto, sujeito a diversos requisitos legais e a um rigoroso controlo jurisdicional.
Não obstante a importância da investigação criminal em qualquer Estado de Direito Democrático, são poucos os direitos fundamentais que claudicam perante as necessidades investigatórias, como acontece no caso das escutas telefónicas.
Há muito que em Portugal se vem alertando para os excessos cometidos na utilização deste meio de obtenção de prova, porque o tipo de abuso que representa uma tão generalizada prática de escutas telefónicas não é aceitável numa democracia europeia.
No passado fim-de-semana foi o próprio Procurador-geral da República, quem em entrevista a um semanário de âmbito nacional veio alertar para esta realidade, reconhecendo que as escutas são feitas exageradamente e admitindo que o seu próprio telefone possa estar sob escuta.
Dado o seu conteúdo e gravidade, não acredito que Pinto Monteiro tenha feito estas afirmações de forma imponderada, que tenham sido um lapso ou uma graçola infeliz, até porque foram proferidas por alguém que tem demonstrado uma sobriedade e uma elevação inquestionáveis no exercício do cargo de Procurador-geral.
Sem querer politizar a questão, até porque muito haverá para esclarecer sobre o significado destas afirmações, não deixa de ser preocupante que um meio de prova possa estar a ser utilizado como meio de controlo ilegal num nebuloso sistema paralelo.
Pelo menos é isto que resulta implícito das suas palavras.
Parece que em Portugal, para além das escutas legais, efectuadas no âmbito de processos judiciais, tuteladas por juízes de instrução e realizadas nos termos previstos no Código de Processo Penal, existem outras escutas, que por não preencherem aqueles requisitos são ilegais.
Sem pretender antecipar-me a ulteriores esclarecimentos, que necessariamente terão que ser prestados, porque a gravidade da insinuação assim o impõe, parece-me que o Procurador-geral da República pretendeu fazer passar uma mensagem para aqueles que ainda não tinham percebido que em Portugal lutar contra o crime e a corrupção significa também lutar contra interesses poderosos.
A bem da democracia seria importante que o Primeiro-ministro e os Ministros da Justiça e da Administração Interna clarificassem de forma inequívoca se estas escutas ilegais existem e em caso afirmativo quem as realiza, quem as tutela e qual a sua finalidade, porque de métodos ilegais e obscuros de controle social e político ficaram os Portugueses fartos nos 40 anos que antecederam o 25 de Abril.
Hélder Rebocho
23.10.07
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