quarta-feira, 13 de junho de 2007

DIA DE SANTO ANTÓNIO

O ALANDRO AL CANTA

Noite de Santo António

Grande Marcha de Lisboa de 1950)
Letra: Norberto de Araújo
Música: Raul Ferrão
Intérprete: Amália Rodrigues (in CD "Marchas Populares", EMI-VC, 2005)


Cá vai a marcha, mais o meu par
Se eu não o trouxesse, quem o havia de aturar?
Não digas sim, não me digas não
Negócios de amor são sempre do coração
Já não há praça dos bailaricos
Tronos de luz no altar de manjericos
Mas tem a praça que foi da figueira
A gente cá vai quer queira ou não queira

Ó noite de Santo António
Ó Lisboa de encantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraiais
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais

Lisboa é sempre a namoradeira
Tantos derrices que até já fazem fileira
Não digas sim, não me digas não
Amar é destino, cantar é condão
Uma cantiga, uma aquarela
Um cravo aberto debruçado da janela
Lisboa linda do meu bairro antigo
Dá-me teu bracinho
Vem bailar comigo

Ó noite de Santo António
Ó Lisboa de encantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraiais
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais.

O ALANDRO AL DECLAMA

Passeio de Santo António

Poema de Augusto Gil (in "Luar de Janeiro", 1909)
Recitado por João Villaret (in CD "Ontem e Hoje", Ovação, 1989; CD "João Villaret: O Melhor dos Melhores", vol. 9, Movieplay, 1994)


Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando...

E andando, andando, viu-se num outeiro
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo...

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica d'água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais...
Os rouxinóis ouviam-se distantes.
O luar, mais alto, iluminava mais.

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia... o coração no peito.

Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O menino, porém, ouviu e disse:
– Oh Frei António, o que foi aquilo?...

O santo, erguendo a manta de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
– Não sei que fosse. Eu cá não ouvi nada...

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou com timbres d'oiro no caminho.
– Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
– Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho...

– Tu não estás com a cabeça boa...
Um passarinho a cantar assim!...
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
– Se o Menino Jesus pergunta mais,
... Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: Jesus,
São horas...
– E abalaram pr'ó convento.

Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br

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