sexta-feira, 29 de junho de 2007

CRÓNICAS DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

:http://www.dianafm.com/

Crónica de Eduardo Luciano

Há algumas semanas atrás, a propósito do processo disciplinar instaurado a um professor, manifestei a minha preocupação com um certo ambiente de delação que começa a existir em alguns organismos públicos.
Afirmei então que, apesar de tudo, ainda estávamos longe de um estado policial que perseguia os seus opositores socorrendo-se da disponibilidade de quem não se importa de “vender” um colega de trabalho pela miragem de um prato de lentilhas. Mantendo essa afirmação, os sinais que são tornados públicos não deixam de ser preocupantes.
Uma ex-funcionária de uma fábrica em fase de liquidação, resolveu enviar um e-mail através do portal do governo a questionar as razões pelas quais, alegadamente, o Estado teria perdoado uma dívida de 600 mil euros aquela empresa, enquanto negociava despedimentos e indemnizações.
Tratava-se de um e-mail privado e que terá sido reencaminhado para a Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças.
Qual não deve ter sido o espanto da trabalhadora em questão quando a administradora da empresa lhe mostrou o e-mail que tinha sido enviado através do portal do governo.
Uma comunicação privada entre uma cidadã e o governo da república foi zelosamente entregue a terceiros que a usaram para justificar uma redução da indemnização.
Este exemplo deve ser levado em conta para que pensemos sobre as inúmeras possibilidades que se oferecem a quem quer vigiar a nossa privacidade. Integrações e cruzamentos de dados, cartões que incluem todos os dados pessoais relevantes, registos obrigatórios em sítios da Internet para se aceder a serviços públicos, são algumas das facilidades que nos podem por nas mãos de quem não tem qualquer escrúpulo em os divulgar ou utilizar para obter vantagens ilegítimas.
São as duas faces do avanço tecnológico. Vida mais fácil para quem pode aceder à tecnologia, por troca com a disponibilidade de estar numa montra onde todos podem espreitar.
Quanto a isso nada há a fazer. Não há bela sem senão.
O que este caso revela nada tem a ver com a tecnologia utilizada. Aconteceu o que provavelmente aconteceria se a trabalhadora tivesse enviado uma carta através dos correios para os mesmos destinatários. Alguém avisaria a empresa de que uma trabalhadora estava a levantar ondas enquanto negociava a indemnização.
Há quem defenda a ideia peregrina da neutralidade dos governos perante os interesses antagónicos que se manifestam na sociedade. Quem diga que governa sempre para todos e no interesse de todos, como se fosse possível a neutralidade em política ou na economia.
Repare-se, por exemplo, na diferença de atitude perante decisões judiciais contrárias. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja ordena a reabertura do Centro de Saúde de Vendas Novas e temos declarações indignadas, recursos e uma mal disfarçada azia perante a decisão. O Tribunal de Justiça das Comunidades decide a devolução do imposto de selo cobrado à Sonaecom em operações de aumento capital e temos uma lacónica declaração: o Tribunal é soberano e o governo vai acatar a decisão.
Há muitos anos ouvi um poema cantado por Chavela Vargas, que ficou para sempre impresso na minha memória. Se o adaptasse livremente ao que acabei de afirmar poderia terminar dizendo… que o governo vela pelos pobres, talvez sim ou talvez não, mas é certo que almoça na mesa do patrão.


Até para a semana

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