sexta-feira, 8 de junho de 2007

CRÓNICAS DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Transcrição da crónica diária transmitida aos microfones da :http://www.dianafm.com/

Crónica de Hélder Rebocho

Sexta, 08 Junho 2007
Longe vão os tempos em que os tribunais faziam serena justiça, decidindo de acordo com os critérios legalmente estabelecidos para cada caso concreto, sem pressões ou tentativas de manipulação.
Numa sociedade em mutação a justiça foi descoberta pelos meios de comunicação social como um produto popular, daqueles que faz crescer as audiências e portanto foi eleita como um filão a explorar até à exaustão.
As pessoas gostam, o produto vende e a guerra em que se transformou a competição entre as diversas empresas que exploram o mercado da informação não se compadece com valores, nem com pudores.
A justiça vende, e por isso não há bloco de notícias que não inclua um julgamento, um processo, uma alusão a um arguido, a um réu ou a uma decisão judicial.
Os processos mediáticos avolumam-se, montam-se autênticos circos à porta dos tribunais e todos sem excepção, desde o analfabeto ao mais letrado, se consideram munidos da sabedoria suficiente para produzir uma decisão judicial.
No entender de cada um, a sua sentença é a mais justa e adequada ao caso concreto.
Esta dimensão mediática e visão popular da justiça, produziu na passada semana mais um caso polémico, relacionado com um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que reduziu a pena de um arguido - condenado por um crime de abuso sexual de um menor de 13 anos de idade - de 7 para 5 anos de prisão efectiva.
O mecanismo de funcionamento desta justiça popular é já sobejamente conhecido.

Um órgão de comunicação social funcionando como procurador, submeteu o caso ao supremo tribunal da opinião pública, que de imediato censurou o teor do Acórdão e condenou o Juiz Conselheiro, relator do referido processo.
Em causa parece estar não tanto a redução da pena concreta aplicada, mas algumas das considerações que foram feitas no Acórdão, ora em julgamento pela opinião pública, designadamente a afirmação ali proferida no sentido que praticar actos de natureza sexual com uma criança de 13 anos não é o mesmo que praticar eses actos com uma criança de 5, 6 ou 7 anos de idade.
É evidente que não é a mesma coisa, nem juridicamente, nem socialmente, por isso, para cada crime existe uma medida da pena, uma moldura penal, que permite determinar a medida concreta da pena de acordo com todas as circunstâncias em que o crime foi praticado.
Nem todos os abusadores de menores são condenados em 5 anos de prisão, mas todos praticam o mesmo tipo de crime e aquilo que faz diferir a pena concretamente aplicada, são precisamente as diferentes circunstâncias em que o crime é praticado.
Naturalmente, que em crimes desta natureza, a idade da vítima é uma circunstância importante, porque em condições normais, a capacidade de defesa diminui proporcionalmente à idade e aumenta a censura e a gravidade da actuação do autor do crime.
Não compreendo, assim, a razão de tanta indignação, quer em relação à redução da pena, quer quanto á fundamentação do Acórdão.

O crime é grave, o seu autor foi punido e cinco anos de prisão, num país em que a pena máxima para crimes de abuso sexual se situa nos 10 anos de prisão, não me parece uma pena desproporcionada.
Todos os cidadãos têm o direito de conhecer as decisões judiciais, mas por enquanto Portugal é um estado de Direito Democrático, onde o poder de julgar está atribuído a quem tem competência material e preparação técnica para o efeito, ou seja, os Tribunais e os Magistrados.
Num país com tantos mestres dos ofícios dos outros, a manipulação de massas representa um perigo acrescido, por isso espera-se maior responsabilidade de quem tendo por dever informar, muitas vezes promove julgamentos sumários na opinião pública, transformando assuntos muito sérios em novelas da vida real, com o único intuito de satisfazer o voraz apetite mercantilista ditado pela guerra das audiências.

Hélder Rebocho
06.06.07

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