Poema de António Botto*
Recitado por Manuela de Freitas (in CD "Poemas de Bibe", 1990; reed. Público, 2006)
O mais importante na vida
É ser-se criador – criar beleza.
Para isso,
É necessário pressenti-la
Aonde os nossos olhos não a virem.
Eu creio que sonhar o impossível
É como que ouvir a voz de alguma coisa
Que pede existência e que nos chama de longe.
Sim, o mais importante na vida
É ser-se criador.
E para o impossível
Só devemos caminhar de olhos fechados
Como a fé e como o amor.
* António Botto (1897-1959)

Poeta, ficcionista e autor dramático português, António Tomás Botto nasceu em Casal de Concavada, concelho de Abrantes, a 17 de Agosto de 1897, e faleceu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959, vítima de atropelamento. Ainda novo muda-se, com a família, para o bairro de Alfama, em Lisboa. Começou por ser empregado numa livraria, vindo a tornar-se amigo de Fernando Pessoa. Depois de uma curta estadia em Angola, trabalha no posto antropométrico do Governo Civil de Lisboa, até 1942, ano em que é demitido do cargo e opta pelo exílio voluntário no Brasil.
A sua poesia caracteriza-se por algum decadentismo, associado à tendência modernista de vivência do quotidiano, pelo sentido do ritmo e a limpidez do estilo. Alguns dos seus melhores momentos poéticos estão nas descrições do quotidiano cinzento do bairro de Alfama ou na celebração da beleza masculina. O seu nome encontra-se associado ao modernismo português, tendo recebido de elementos do Orpheu palavras de encarecimento, nomeadamente de Fernando Pessoa – que traduziria para inglês as Canções – e de Raul Leal, admiração que transitaria para o segundo modernismo em estudos de José Régio e Adolfo Casais Monteiro. Projectado como caso público, após a apreensão da segunda edição de Canções, em 1922, o confessionalismo amoroso dessas composições, colocado ao serviço de uma homossexualidade assumida, gerou uma acérrima polémica de teor essencialmente moral em torno da sua postura literária. Refundidas nas suas sucessivas edições, as Canções surpreendem pela conjugação de uma aparente espontaneidade, conseguida pela simplicidade de vocabulário e pela variação métrica, com a minúcia de análise emocional com que desfibra cada ínfimo ou repetido episódio da relação amorosa. A modernidade de António Botto reside precisamente na capacidade de, ao tratar um tema eminentemente subjectivo, como a confissão amorosa, intelectualizar esse caso íntimo, decompondo com ironia ou reflectido desalento as reacções do sujeito poético, a ponto de anular, pela lucidez com que se expõe, o sentimentalismo de que parte.
Da sua produção poética merecem menção: Trovas (1917), Cantigas de Saudade (1918), Cantares (1919), Canções (1921), Motivos de Beleza (1923), Curiosidades Estéticas (1924), Pequenas Esculturas (1925), Olimpíadas (1927), Dandismo (1928), Ciúme (1934), Baionetas da Morte (1936), A Vida Que Te Dei (1938), Os Sonetos (1938), O Livro do Povo (1944), Ódio e Amor (1947) e Fátima - Poema do Mundo (1955). Os livros anteriores a O Livro do Povo (1944) foram integrados nas edições posteriores de Canções. António Botto possui ainda uma faceta menos considerada como autor dramático, com melodramas de inspiração populista e naturalista: Flor do Mal (1923), António (1933), Alfama (1935), Nove de Abril (1938) e Aqui Ninguém nos Ouve (1942). É ainda autor de obras de literatura infantil, tendo redigido pequenas narrativas exemplares para crianças nas quais predominam a fantasia, um tom ingénuo e coloquial. Como ficcionista publicou: Os Contos (1924), O Livro das Crianças (1931) e Cartas Que me Foram Devolvidas (1932), Isto Sucedeu Assim (novela, 1940), Ele Que Diga se Eu Minto (contos, 1945).
b>Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br
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