Colaboração da : http://www.dianafm.com/
Jovens bota-de-elástico? - Eduardo Luciano
Quinta, 29 Março 2007
A propósito de um concurso televisivo, mais ou menos intelectualmente indigente, assistimos a uma verdadeira onda de recuperação da imagem de um ditador, que governou este nosso rectângulo durante mais de quatro décadas.
Eu diria que foi apenas o último impulso de um processo de branqueamento do que foi a nossa vida colectiva de 1926 a 1974.
Os arautos do passado têm, durante os últimos 30 anos, conseguido passar paulatinamente a sua mensagem. Primeiro suavizando as expressões, passando o regime de fascista a autoritário e o seu líder máximo de ditador a homem forte. Depois criando uma imagem idílica desses tempos, em que supostamente não haveria crime, nem divórcios, nem greves, nem agitações. Onde toda a gente sabia qual o seu lugar na escala social e se contentava com ele. Claro que tudo isto sempre apresentado como a antinomia do presente.
O resultado de tão persistente e apoiada acção acabou por ser a criação de um conjunto de sentimentos saudosistas por parte de quem não viveu esses tempos.
Vemos hoje jovens que não suportariam viver sob aquela terrível ditadura, afirmarem-se dela saudosos.
Isto foi possível essencialmente pela demissão de quem tem o dever lembrar com rigor, se empenhar arduamente no apagamento da memória histórica. O sistema educativo e os meios de comunicação social.
E não se pediria que adjectivassem a acção desses governos opressivos. Bastaria que recordassem com a mesma convicção, tempo de antena e promoção publicitária que atribuem a alguns eventos do passado, os factos historicamente comprovados.
Que lembrassem a existência de presos políticos sujeitos a tortura e alguns assassinados, da censura que tinha como tarefa apenas deixar publicar o que os esbirros do regime permitiam, de um elevado número de analfabetos como condição essencial para manter a maioria da população acrítica, da existência da PIDE, da Legião, da Mocidade, da imensa rede de bufos e informadores, da inexistência de actos eleitorais livres e justos, do número de portugueses que se viram obrigados a emigrar, da guerra colonial.
Mas não é assim. Aborda-se o passado com um misto de saudosismo por este ou aquele artista, por este ou aquele evento, sem a preocupação de um rigoroso enquadramento histórico.
A ajudar à construção deste cenário, temos ainda alguns fazedores de opinião a pintarem o homem como um ditador em versão soft, realçando um conjunto de aspectos que consideram positivos.
Acreditem meus amigos. A ditadura que vigorou em Portugal de 1926 a 1974, foi tudo menos soft. O nosso país era tudo menos um sítio idílico para se viver.
Não há hoje o risco de se voltar a esse passado. Mas é nossa obrigação, como cidadãos, demonstrar que, por muito que o regime democrático se tenha desvirtuado, está a léguas de distância do que se viveu em 48 anos de ditadura fascista.
Quanto ao resto, mais concurso menos concurso, mais museu menos museu, há um facto que, felizmente, não pode ser alterado. O velho bota-de-elástico está morto e bem morto, por muito que o tragam agora para as primeiras páginas de jornal.
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