quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

CRÓNICAS DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

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Crónica de 13 de Fevereiro de Domingos Cordeiro

Quarta, 14 Fevereiro 2007
Os Portugueses que quiseram ter uma palavra a dizer sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez responderam maioritariamente que “sim” no passado Domingo.
Lamento, no entanto, que em questão tão sensível como a que estava em causa, cerca de quatro milhões e novecentos mil eleitores tenham optado por ficar em casa, em violação flagrante do dever cívico que é votar.
Certamente neste número, que corresponde a 56,39% do total de eleitores inscritos, encontraríamos muitos dos que, de forma recorrente, criticam os políticos por serem todos iguais e nada fazerem para mudar o que julgam estar mal.
Todavia, quando lhes é permitido, por esses mesmos políticos que tantas vezes criticam, que, com o seu voto, legislem – o que já correu por três vezes – o resultado é o que se tem visto: ficam em casa.
Seja como for, quem se sentiu interpelado a assumir uma posição votou.
E fê-lo dando uma vitória clara ao “sim”, o que corresponde a uma manifestação inequívoca de consenso social contra o aborto clandestino e a urgência de lhe por um fim.
E, apesar de tecnicamente o resultado não ser vinculativo, os líderes do PS, PSD, PCP e BE vieram, nessa mesma noite, declarar que o resultado era para ser respeitado, alias, como respeitado havia sido o resultado do referendo de 1998 no qual o “não” saiu vencedor.
Como já aqui referi, em outras ocasiões, o aborto é e será sempre um drama.
Contudo, o processo humilhante e doloroso pelo qual passaram muitas das mulheres que abortaram em Portugal nas primeiras 10 semanas passou à história.
No futuro, e por via do resultado deste referendo, ser-lhes-á permitido o recurso à IVG, na primeiras dez semanas e em condições de segurança, saúde e dignidade.
Cabe agora aos deputados legislar.
Aos Governo cabe, operacionalizar todas os aspectos práticos e organizacionais que permitam a aplicação da lei.
Do Presidente da Republica devemos esperar que, quando a lei lhe for presente, a promulgue, uma vez que, seguramente, será aprovada na Assembleia da Republica, com mais de 70% dos votos dos deputados, atento o amplo consenso que se estabeleceu em todas as forças com assento parlamentar, na noite da votação, do qual sómente o CDS se excluiu.
Da sociedade em geral, espera-se, nomeadamente, que a pressão e a censura moral sobre as mulheres abrande e, depois se extinga, pois, só desse modo desaparecerá a vergonha, grande combustível do aborto clandestino.

Crónica de 14 de Fevereiro de Hélder Rebocho

Quarta, 14 Fevereiro 2007
À segunda tentativa o sim à despenalização do aborto venceu o referendo.
Confesso que foi sem surpresa que acompanhei o evoluir dos resultados eleitorais, pois as sondagens há muito vinham dando indicações que desta vez a vitória iria pender para o lado do sim.
Sempre referi que esta seria uma questão de consciência e como democrata entendo que a decisão da consciência da maioria relativa que votou sim deve dar lugar à alteração legislativa necessária para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez realizada até ás dez semanas de gestação.
Apesar da abstenção se ter situado acima dos 50%, obstando a que o referendo seja vinculativo, poucos se atreverão a equacionar a possibilidade da lei não ser alterada, é uma questão de coerência e seria absurdo realizar o referendo sem que a vontade expressa da maioria de votantes tivesse consequências legislativas.
É tempo agora de esquecer os argumentos esgrimidos em torno do sim ou do não e passar á fase seguinte ou seja à discussão da alteração legislativa e sua regulamentação.
A nova lei que legalizar o aborto não se poderá limitar a uma formula tão sintética como aquela que constou dos boletins de voto, pois existem diversas questões que, de forma conexa ou reflexa, necessariamente se vão levantar e para as quais os legisladores deverão estar devidamente preparados, sob pena de fazerem uma lei experimental, daquelas tão na moda, que depois com sucessivas revogações e repristinações vai alterando e repondo o regime jurídico ao sabor do momento e das conveniências.
A lei para despenalização do aborto deve ser responsável e para isso será necessária uma aprofundada discussão e reflexão, tendo em conta a natureza do acto e as suas consequências não só a nível humano, mas também social.
A nível humano, a primeira atenção deve ir para a mulher que decide abortar, designadamente, instituindo a consulta prévia de aconselhamento e o apoio psicológico posterior, mas não deve ser esquecido o apoio ao pai que pretenda o nascimento do filho e que veja essa pretensão negada pela decisão unilateral da mulher em abortar.
Por outro lado, deve ser instituído um apoio à mãe que decida ter o seu filho, pois seria no mínimo discriminatório apoiar quem decide abortar e deixar sem apoio quem não reunindo boas condições materiais, sociais ou familiares para o efeito, opte pela maternidade.
A nível social, questiono a capacidade do sistema nacional de saúde para dar resposta às condições impostas pela legalização do aborto.
Na verdade a interrupção da gravidez deve ser feita até às dez semanas. Se as mulheres que decidirem abortar estiverem sujeitas ás habituais listas de espera dos hospitais públicos, desde o momento da marcação da consulta até serem atendidas vão seguramente decorrer os 9 meses de gravidez. Como será então resolvida a questão? Com atendimento prioritário para as abortantes? Será no mínimo imoral que quem esteja doente sem culpa sua tenha que esperar um ano ou dois para ser submetido a uma intervenção cirúrgica e quem por culpa sua engravide e depois de se arrepender tenha atendimento prioritário para assegurar a intervenção até às dez semanas de gestação. Aqui de duas uma, ou o SNS descrimina quem está doente em benefício de quem aborta, ou cria condições para que todas as consultas ou intervenções cirúrgicas por doença sejam efectuadas em, pelo menos, dez semanas. Tendo em conta que há anos se tentam eliminar, sem sucesso, as listas de espera nos hospitais públicos, será de presumir que o aborto vá ter prevalência sobre a doença.
Existe, ainda, a terceira via, a das clínicas privadas que se preparam para proliferar no país. No entanto, tendo em conta os preços dos serviços de saúde privados, certamente que o aborto clandestino - feito em estabelecimento não autorizado - agora mais barato por força da concorrência, vai continuar a ter muita procura e provavelmente continuará a ser responsável pela maioria dos abortos em Portugal.
Ainda a nível social será de ponderar um aumento do apoio às famílias numerosas, porque estas contribuem mais para o combate à baixa natalidade, que tanto preocupa os nossos governantes, do que as mulheres que abortam.
Estas são apenas algumas questões com que o legislador será confrontado para elaborar uma lei justa e equilibrada.
Quem pensava que legalizar o aborto era uma mera questão de sim ou de não está enganado, num país com tantas discrepâncias legislativas e sociais, esta lei não sendo acompanhada de um pacote de medidas para a saúde e para o apoio à família, poderá tornar-se em mais uma injustiça daquelas a que o nosso país já está habituado.

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