terça-feira, 16 de janeiro de 2007

CRÓNICAS DO JOÃO PEDRO

Desejos de criança, não se confirmaram!

- Falar de outrem genericamente, é bastante fácil e costumeiro nos dias que correm, a pretexto disto ou daquilo, boa gente da nossa sociedade, entra na boca do lobo com facilidade e velocidade medonhas, muitas vezes por intentos falsos ou intencionais, sem qualquer possibilidade de esclarecimento dada a possibilidade e modos da comunicação.

- A dificuldade que se coloca é quase sempre é a de termos a humildade de falar de nós próprios e na primeira pessoa, termos o desplante de dizer ao mundo o nosso percurso, o que gostamos ou não gostamos, os sonhos concretizados ou assim-assim e, escolher como diz o outro… – respondo difícil, mas arrisco ser fiel ao meu saber, tendo opinião cívica.

- Eu naquele tempo de juventude tinha aspirações a ser grande como todos os demais da minha idade, gostava de poder conduzir um “boca de sapo” a coqueluche daquele tempo, gostava que os meus pais tivessem uma vida menos atribulada para sustentar a família, gostava de seguir um curso e não aquele que me fosse imposto, gostava da minha Escola e do meu Professor José Jacinto, gostava de estudar desenho e da matemática, gostava de coisas concisas e directas, gostava de poder ser bombeiro ou advogado, filósofo ou arquitecto.

- Os tempos corriam e a hipótese de ser bombeiro fazia sentido tal como hoje, quanto a ser advogado ou outra, a coisa complica-se porque tal profissão exigia algo impossível, visto ser daqueles traquinas que mesmo pequenino, e em momento de se poder torcer o pepino, eu já não deixava nem merecia tal coisa, porque sabia ponderar e dar-me ao respeito, para não dar azo a que dissabores pudessem acontecer.

- O ditado diz: - “ Todo o alentejano é desconfiado… .”

- Muito embora, muitos acreditem que não eu, no entanto a verdade verdadinha de tais crendices, consistem em não saber o porquê, se é por causa e força da aridez do clima, se por necessidades antigas ou mais presentes, se por força dos condicionalismos da exclusão social, se derivado ao abandono a que foi votado, ou das desigualdades fomentadas a partir de grandes interesses dominantes, de ontem e de sempre.

- A desconfiança sentida por muitos alentejanos, tem a sua razoabilidade interpretativa pelas passas do Algarve das suas vidas, para aqueles que lá nasceram ou viveram e respondem por factos e não por mero cliché, que muitos se valem para denegrir ou realçar aquilo que entendem, como opinião.

- O parecer desconfiado admito que isso aconteça por vezes, sisudos na aparência poderá ter a ver com a personalidade do indivíduo, ao ser taxativo nas suas afirmações ou ser reservado mas sabendo ouvir, ao gostar de ser preciso nas suas atitudes e resoluções, ao gostar ter a certeza daquilo que informa sem a possibilidade do contradito, ser recto em espírito no seu quotidiano cívico.

- Neste ambiente de seriedade foi criada aquela geração, até que um dia fui fazer exame da admissão aos liceus em Évora, na disciplina de desenho á vista e após a chamada já em plena sala, deparei que não levava borracha.

- Como bom alentejano pensador, deitei os olhos pelo júri e posteriormente pelos colegas, para que a partir daí pudesse tentar uma estratégia, para não perder o tempo nem o exame, visto que o meu professor Dr.Xavier, aguardava por mim lá fora e ficaria incrédulo com o seu aluno.

- Deparei que na mesma fila e umas carteiras mais á frente, um colega de Colégio do Alandroal, não me recordo bem quem seria, talvez a Leonor Galhardas, o Galrito ou o Nunes, ambos de Terena, não tenho a certeza quem me fazia companhia e, logo lhe arremessei uma bolinha de papel, que lhe acertou na nuca, para que olhasse para traz, o que aconteceu, tendo o movimento sido notado pelo júri.

- Comecei a fazer o desenho que até não correu mal, podendo dizer mesmo ás mil maravilhas, porque era daquilo que eu gostava, vai daí… uma segunda bolinha já com um pedido explícito formulado, com o pedido da tão amaldiçoada borracha e que de imediato foi satisfeita por este, com a inteligente ideia da partilha da borracha, em duas partes iguais, uma delas para me safar o exame.

- O júri já de pé atrás, disfarçou nada ter visto mas, mal me apercebo levantou-se e dirigiu-se a mim, com a intenção de ver em que modas estava o meu exame a desenrolar-se, e logo de imediato e contrariamente ao que pensava, me disse de imediato em voz agradável: O menino está nervoso… mas olhe que sem razão aparente, o trabalho está bom, podendo dizer mesmo óptimo… A esfera, o cubo e a pirâmide que estão reproduzidos estão perfeitos, mas… se conseguires fazer um plano, dando a ideia de que os sólidos estejam apoiados sobre ele, fará bastante sentido, não sendo do programa, não perdes nada… faz se conseguires, porque valoriza o trabalho… e assim fiz, sem que antes tivesse agradecido a reverência.

- Foi assim que desde esse dia, embora assustado tenha arrancado um 18, depois daquele aperto todo, deixei de pensar e pretender ser advogado na minha vida, porque apesar da minha conduta e espírito preventivos, não por desconfiança como para aí apregoam alguns, fiquei a saber que contrariamente ao que pensava, haverá certezas que não podem ser assumidas, antes do tempo certo, para além do mais, por estarem terceiros na sua execução final.

Os verdadeiros alentejanos, dirão aos quatro cantos, possuir tal virtude é atributo.

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