quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

CRÓNICAS DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM (DUAS)

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Nem todos os pais são progenitores, nem todos os progenitores são pais - Eduardo Luciano

Quinta, 25 Janeiro 2007
Durante os últimos dias tem-se discutido de forma apaixonada qual deverá ser o futuro familiar de uma menina nascida de uma relação ocasional entre um cidadão português e uma cidadã brasileira.
Não é meu objectivo discutir o caso concreto. Apenas o conheço através da comunicação social e todos sabemos como isso pode ser sinónimo de ignorância.
O que me interessa aqui é reflectir sobre as diferenças substanciais entre ser progenitor e ser pai.
De um lado temos alguém que, numa primeira fase, não se reconhece como sendo pai e numa segunda fase, após a confirmação científica da paternidade, explode em amor paterno e vem pedir a custódia da criança em questão.
Do outro lado temos alguém que aceita ser pai, independentemente de quem foi o bafejado na lotaria da concepção.
De um lado temos alguém para quem a sorte de uma criança lhe é perfeitamente indiferente se não tiver sido produto de uma fecundação em que um seu espermatozóide tenha estado envolvido.
Do outro lado temos alguém que trata a criança como sua filha e para quem lhe é indiferente quem foi o dador do espermatozóide que esteve envolvido na fecundação.
Afinal, qual destes adultos é merecedor do exercício do dever de protecção e cuidado desta menor? Afinal, qual deles garantirá, o bem-estar desta criança?
Imaginem que a mãe, após a recusa do progenitor em se aceitar como tal, ia ter com o candidato a pai adoptivo e lhe propunha que fosse ele a assumir a paternidade em sede de registo civil.
Depois iam os dois a um tribunal e acordavam em que a guarda da criança e o exercício do poder paternal ficaria a cargo do pai que se tinha assumido como tal.
O pai biológico seguiria a sua vida, e a criança viveria na mais perfeita legalidade na casa do casal que a queria adoptar.
Quem iria levantar alguma questão? O progenitor, cheio de dúvidas sobre o seu contributo para aquela vida? Será que seria acometido por alguma inspiração divina que o levaria a exigir a realização dos testes de paternidade?
Não me parece.
Alguém tem dúvidas acerca de quem é o pai desta criança? Eu não tenho e tudo isto deveria ser resolvido longe das câmaras de televisão, para não permitir a tentação dos diversos intervenientes em transformar este caso num qualquer trampolim para reconhecimento público ou promoção pessoal e profissional.
Para mim, pai é sempre quem cuida, protege, educa e ama incondicionalmente. E, nalguns casos, também participou na concepção.
Até para a semana

Crónica de 24 de Dezembro de Hélder Rebocho

Quinta, 25 Janeiro 2007
Em virtude da profissão que abracei há mais de uma dezena de anos, conheço por dentro a justiça. Não é fácil por vezes decidir, sobretudo quando se coloca sobre as costas de um Homem o poder e o dever de fazer justiça.
Nem sempre a solução mais justa é aquela que resulta da lei, por vezes de tal forma restritiva que não dá alternativas a quem decide.
No tocante aos menores, existe um princípio fundamental com consagração legal que estabelece a prevalência do interesse do menor sobre todos os outros interesses.
Este princípio condiciona todas as decisões, tanto em matéria de adopção como na regulação do poder paternal, compreendendo-se que assim seja, porque falamos de crianças que não podem ainda decidir em consciência o que é melhor para o seu futuro.
Foi tendo em conta este princípio que a menina de Torres Novas foi aos 2 meses de idade entregue á guarda de um casal que a recebeu e foi criando como filha. Aqueles foram os únicos pais que conheceu, pois os progenitores biológicos rejeitaram-na logo à nascença, com especial destaque para o pai que recusou assumir a paternidade e só compulsivamente realizou testes de ADN.
Decorridos cinco anos, gastos em testes para averiguação de paternidade, processos de adopção e de regulação do poder paternal, a pesada e morosa máquina burocrática da justiça trouxe à luz uma decisão que além de injusta do ponto de vista humano, é evidentemente tardia porque os prazos de integração e adaptação de uma criança de tenra idade a uma família não são compatíveis e coincidentes com os timings das decisões judiciais.
No caso desta criança de Torres Novas que tem apaixonado o país a decisão foi tardia e coloca várias questões.
Desde logo, saber se salvaguarda o interesse da menor retirá-la do meio familiar em que viveu desde os dois meses de idade até aos cinco anos e integra-la no seio da família do pai biológico que nunca conheceu.
Todos sabemos que o conceito afectivo de paternidade nem sempre resulta de laços biológicos. No caso em apreço, parece-me que nenhuma ligação sentimental poderá existir entre um pai biológico que nunca aceitou nem reconheceu a menor como sua filha e que repentinamente terá sido assaltado por sentimentos que nunca teve, e uma filha que ainda bebé foi entregue nos braços de um casal que a tomou e criou como verdadeira filha.
A encenação que o pai biológico deu ao país através das câmaras de televisão, com um quartinho muito bem arranjado, cheio de bonecos de peluche, situado numa casa que nem ao menos é dele, coloca-me a questão de tentar perceber porque motivo aquele ambiente tão aconchegante não estava preparado para receber a menina há cinco anos atrás, quando nasceu e quando este mesmo pai nem sequer a reconheceu como filha.
Será que as consequências psicológicas decorrentes da solução imposta pela decisão judicial são do interesse da menor?
Será esta decisão a que melhor salvaguarda os interesses da menor?
Coloco estas questões porque já vou duvidando das soluções dos tribunais de família e menores que teimosamente insistem nos laços biológicos como aqueles que melhor servem os interesses das crianças.
Casos como os da Joana, do Rafael da Daniela e de tantas outras crianças que foram sujeitas às maiores atrocidades e torturas praticadas pelos próprios pais biológicos, trazem à saciedade uma evidência, infelizmente, nem sempre serão estes as pessoas que melhor poderão defender os interesses dos filhos.
A justiça nem sempre é justa porque a sua realização resulta muitas vezes da fria aplicação da lei aos factos, sem ter em conta critérios de humanidade, afinal tão importantes, quando se tem na ponta da caneta o futuro de uma criança.
Hélder Rebocho

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