Uma amabilidade da Rádio Diana/FM
Crónica de 20 de Outubro de 2006 - António Leitão
Sexta, 20 Outubro 2006
Há no ar a sensação de que a maioria dos casos desesperados a que vamos assistindo não é grave. No fundo, todos concordam com o que parece ser cada vez mais evidente: uma determinada forma de boa vida está a acabar em Portugal, havia muitos exageros, todos conhecemos alguns, a maioria, os mais despudorados na função pública, no Estado para que nem todos pagam e de que só alguns beneficiam. Todos conhecemos funcionários públicos muito espertos que se arrastaram durante anos no seu local de trabalho tendo o cuidado de nada fazer de útil e que agora tentam ser rapidamente reformados para melhor poder continuar a sua vida de parasitas. Teríamos verdadeiro prazer em os ver cair nas listas de disponíveis, com desemprego à vista.
Já os sindicalistas de bandeira caída à espera da camioneta de que fala o Vasco Pulido Valente me causam tristeza, perante a perda de ilusões, fim dos sonhos de um mundo mais justo, impotência para a revolução, perplexidade perante a evolução do mundo. Ao mesmo tempo, multidões a quem não apetece aderir às lutas sindicais passeiam-se pelos centros comerciais em grande comunhão consumista.
“Poucas coisas há mais repulsivas do que a complacência com o que se é ou se sabe” (Daniel Innerarity). O que tem qualquer coisa a ver com a actual mania de todos termos uma boa auto-estima, como se fôssemos o centro do mundo. Vivemos em tempos difíceis de compreender, em que o alívio com a queda de sistemas políticos bem definidos como o comunismo corre o grande risco de poder ser de curta duração, se for substituído por um novo sistema, agora capitalista, de economia de mercado. Na verdade, todos os sistemas trazem novas formas de servidão. Cabe-nos procurar a ousadia de ser livres e de dar sentido a essa liberdade.
“A lógica economicista dissolve as virtudes públicas, as responsabilidades comuns, a ideia de serviço, a solidariedade social, a capacidade de sacrifício pelo bem comum e a compaixão para com os mais necessitados”. No sentido que lhe davam os gregos, idiotas eram “aqueles que não queriam ser cidadãos, que esqueciam os seus deveres públicos e se entregavam à satisfação de interesses privados”. Em vários aspectos, estamos hoje mais do que nunca numa situação de “idiotização da política”. Ora, quem não se vê como “idiota” é hoje chamado a exercer a sua liberdade no compromisso com os outros, o que parece um paradoxo. Mas todos sabemos que, no fundo, não é.
É assim que eu prefiro ver aquilo que está a ser feito no Serviço Nacional de Saúde, onde sou capaz de apostar que a instalação da rede de cuidados continuados agora em início levará, além de melhorar muito os cuidados aos doentes crónicos e em convalescença, a uma boa reforma dos hospitais e dos centros de saúde, apesar da contenção económica de que o Ministério da Saúde não pode fugir.
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