Obs: Mais um excelente tratado da História de Portugal.
Deve ler porque o saber não ocupa lugar e um Povo sem História será um Povo sem memória.
CACIQUISMO E IDEAIS DEMOCRÁTICAS
Em matéria de participação democrática por parte das camadas populares, emergia – nos últimos tempos da Monarquia – um flagrante contraste entre as práticas do caciquismo monárquico e os ideais democráticos dos verdadeiros republicanos – ao lutarem pelos princípios de que – numa Republica assumida – a soberania assenta na vontade dos cidadãos: e não é impunemente que António Sérgio realça ( no seu ensaio pedagógico “Educação cívica” a constatação de Herculano de que “Essa imensa tutela de milhares de homens por seis ou sete homens é forçosamente absurda..”
Ora, fazendo aproveitamento do imenso analfabetismo que caracterizava a sociedade portuguesa nos finais do século XIX e inicio do século XX , que rondava os 80% - é frequente, no Alentejo, não se encontrar um único individuo que saiba ler, num rancho de vinte ou trinta trabalhadores, homens ou mulheres – referia o republicano Brito Camacho, na época). Vamos encontrar então o “aparelho” de influências montado pelas elites locais – os “caciques” – no sentido de pressionar uma votação favorável – no circulo eleitoral da sua influência - no candidato parlamentar (e do conjunto parlamentar adviria o governo) – que uma vez eleitos, em troca, dariam ao senhor influente ( “ 0 cacique”) óptimos lugares, comissões altamente remuneradas, cadeiras de senador, beneficiações de propriedades suas, ou – até mesmo anichavam-lhes os filhos e afilhados ( como denunciava João Chagas). Precisamente, definindo o “cacique”, diz-nos Eça de Queirós: “o influente (cacique) ordinariamente é proprietário, foi cavador de enxada, enriqueceu, tem ambições, quer ser da Junta da Paróquia, da Junta dos Repartidores, e mais tarde, num futuro glorioso vereador… Dispõe de 200 ou 300 votos: são os seus criados de lavoura, os seus devedores, os seus empreiteiros, aqueles a quem livrou os filhos da vida militar, a quem conseguiu diminuir os impostos, ou livrou da cadeia”.
Mas, como é possível que esta “ máquina” funcione – mesmo contra o interesse da maioria do povo – e como a passividade deste, ou pelo menos, sem grandes protestos? João Chagas dá-nos uma explicação, anotando factos como a empregabilidade no campo, da esmagadora maioria da população, o seu alto índice de analfabetismo (80%), a sua condição de vida meramente vegetativa (eram simples “produtores” e “consumidores” – sem grande compreensão dos seus direitos burocráticos e deveres cívicos: e, desta forma, presas fáceis dos agentes eleitorais (caciques proprietários ou caciques burocráticos) do regime.
Em 1905, diz-nos um advogado familiarizado com o processo eleitoral: “Pois quem é que elege o deputado? E o eleitor? De modo nenhum. E o influente, é o cacique, é a autoridade administrativa. O eleitor deu importância àqueles, e pela sua influência sobre ele (deputado) é que o último (cacique) foi escolhido para administrador, portanto são eles os eleitores.
Por outro lado, a Republica na sua essência – transmitir-nos-ia, perpassada pelos princípios da Liberdade, Igualdade; Fraternidade a intenção de “repensar” o País através da Escola ( que encontramos em António Sérgio; João de Barros, Jaime Cortesão, ou Bento de Jesus Caraça – e noutros republicanos _ Escola formadora de cidadãos conscientes, e eleitores detentores de uma vontade inspirada no pensamento, na reflexão, no conhecimento, na objectividade (afinal, a opinião pública que deveria escolher e fiscalizar os representantes da Nação – fosse Parlamento, Governo ou Presidente).
Porém, referindo-se ás frustrações das expectativas por parte do Povo (aquele Zé Povinho que, na caricatura de Bordalo Pinheiro onde aparece “cavalgado” pelo rei e “espicaçado” pelo fidalgo, salta para as trincheiras da Rotunda, ou para as missões de comunicação nas ruas de Lisboa de 5 de Outubro de 1910), diz-nos João Medina: “Sabe-se até que ponto todas estas grandes esperanças saíram amarfanhadas pelas esquálida realidade do novo regime: republicanizaram-se todos os anteriores vícios e defeitos, pintou-se de verde rubro o deficit e o caciquismo, traíram-se todas as grandes promessas políticas, sociais, financeiras e económicas feitas durante os anos de propaganda, direitos contudo, que não se pode ganhar uma partida de xadrez sem que o adversário cometa erros. E esta verdade não é apenas válida para o jogo (seja ele qual for): é-o igualmente para a política. E a Republica cometeu erros – em sequência de uma multiplicidade de circunstâncias; sociais, culturais, económicas, políticas – circunstâncias herdadas da Monarquia, e outras que lhe saltaram ao caminho ( como é o caso do conservadorismo, do reaccionarismo, do revanchismo). Mas, temos que admitir também que se “consciente e convicta – não sem fundas razões, que convém repensar – de representar a consciência aguda da injustiça, da repressão, do privilégio inaceitável, a Esquerda viveu-se durante os quase dois séculos da sua manifestação histórica…como se estivesse imune, por princípio ao erro…à traição no ideário transparente com que se definiu” – como o lembra Eduardo Lourenço, no contexto da I Republica, contudo,, admitimos que – ao não ter ficado tudo como dantes após os seus curtos 16 anos de vida. Mercê das transformações sociais, do fomento económico, das preocupações culturais, da modernização do Ensino: mas sobretudo, pela Figura do Cidadão integro, de honestidade política, que serve a comunidade, dotado de uma consciência cívica, que o conduz a servir o País e não a servir-se dele (realidade que encontramos no regime de 1910- 1926 ) – diremos que a Revolução de 1910 mereceu a consideração de todos os Democratas: que- inclusive – a tomariam como símbolo e referência durante os 48 anos, na Resistência ao estado Novo.
José Alexandre Laboreiro
(transcrito da Folha de Montemor relativa ao mês de Abril 2010 , com a devida autorização do Autor)
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