segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

COLABORAÇÃO DO DR. ALEXANDRE LABOREIRO

Vagueando pelo mundo dos valores: da Educação e da Cultura

«As Culturas alimentam-se com a comunicação dos valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade... Todo o homem está integrado numa cultura: depende dela, e influi sobre ela. É, simultaneamente, filho e pai da cultura em que está inserido».

João Paulo II
(in “A Fé e a Razão”  -  Carta Encíclica)

É incontornável o pressuposto de que no acto educativo, se atenda à multiplicidade de modos de ver o Homem como ser social  -  abrindo-se desde logo portas a uma variável de finalidades do Homem e do modo (meios) de realizar esses fins. Assim, desde logo surgem claros pensamentos de ordem filosófica, religiosa, política, económica, social  -  condicionando uma discussão acesa (revelando os diferentes modos de ver o problema). Referindo um desejo de orientar o Homem para as suas finalidades supremas, a educação revelar-se-á diferente conforme se entender o princípio e o fim do Homem.
Contudo, quanto a nós, é inabalável a constatação de que o Homem participa de matéria e espírito: que devemos procurar imbuir de um aperfeiçoamento crescente (conduzindo-o no caminho que se inicia no ponto de partida do desconhecimento e da incultura, percorrendo o saber e o saber fazer, até atingir ao máximo a sua condição de sábio, de entendido  -  numa dialéctica do “aprender a ser”).
Considerando a educação como um processo, mediante o qual o Homem se vai transformando, então  -  e atendendo à realidade humana  -  há que desenvolver o educando segundo princípios valorativos que permitam entender os fenómenos humanos, a sociedade em que vive, de modo a receber o contributo que a essa sociedade ao longo do tempo foi dado: passando a haver continuidade no processo educativo (pressupondo o empenho que deve existir de querer tornar a comunidade no conjunto harmónico), e conduzir cada Homem a participar no sentido de a definir e aperfeiçoar, tendo por base todo o trabalho e contributo prestados, por outros iguais anteriormente e simultaneamente. Desta forma, mais que num simples processo de aperfeiçoamento do Homem  -  individualmente considerado  - a Educação tornar-se-á num processo de aperfeiçoamento do Homem como ser social, que se liga a princípios definidores da sua Cultura. Há, pois, no fenómeno educativo uma ideia de movimento, mas esse movimento é orientado; não brota da fonte magnífica que é o pensamento de um homem, mas ele pressupõe princípios  -  éticos, sociais  -  que permitirão ao Homem transcender a pura absorção da realidade social que se lhe apresenta para criticar e aperfeiçoar a realidade histórica, em determinado momento. É um verdadeiro “processo de vivificação espiritual da tradição cultural” em todas as suas formas, representando a “tradição cultural” aquele conjunto de valores  -  nos quais, afinal, pensa o Homem a sociedade.
Na educação, há assim em primeiro lugar, a receptividade  -  que é seguida imediatamente de uma capacidade de crítica e reestruturação, dos valores culturais.
Porém, a capacidade de desenrolar uma actividade crítica estará condicionada se o Homem não se entender a si mesmo, e ao fenómeno social. É preciso perceber-se a moral, para se criticar princípios éticos, é preciso compreender a sociedade, os grupos sociais, para se oferecer contributos válidos para o seu aperfeiçoamento. E isso prende-se com os valores.
Maria Alice Fontes (in “Escola e Educação de Valores”) diz-nos, a dado ponto: «A interiorização pressupõe um crescimento interior que surge à medida que cada indivíduo vai aceitando atitudes, valores, códigos ou princípios, para formação de juízos de valor ou para a determinação de uma conduta... Se se pretende a inculcação de valores considerados desejáveis, o professor utiliza com frequência o reforço, que se revela eficiente. Porém, mais eficiente ainda que o reforço é o posicionamento do próprio professor, perante os valores, o qual funciona como modelo para os alunos pois o professor é sempre um modelo, por mais imparcial que tente apresentar-se. A sua imparcialidade é já ela, um modelo. A actuação conjunta do modelo e do reforço intensificam a inculcação». E a autora, refere os valores da solidariedade, da empatia, da alteridade, da adesão à Cultura a sensibilidade ao Belo, o cultivo da Ética, o civismo na Cidadania, a prática da Ecologia, o apelo e dignificação do Trabalho, a interiorização dos valores da Democracia.
Coménius (salvo erro, no seu livro “Didáctica Magna”) acentuou: «Somos colocados num Mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de actores.» E isso implica que, também na Cultura se inculquem valores: desde a Pintura à Música, passando pelo Teatro, pela Televisão, pelo Cinema, pela Escultura, pela Arquitectura, pelo Deseign, pela Declamação, pela Literatura, etc.. E, num mundo moderno  -   especialmente -  a Cultura  desempenha importante papel na inculcação de valores (para além da adesão ao Belo): o envolvimento da Arte Neo-realista na difusão dos valores democráticos, é disso exemplo; ou o papel da Arte realista na sensibilização dos fruidores da Arte, para as realidades socioeconómicas dos finais do séc. XIX, é outro exemplo; ou o intuito da Arte Moderna de “desconstruir” o falso equilíbrio socioeconómico em que nos detemos e vivemos, é ainda outro; bem como o majestático da Arte do séc. XVIII europeu, inculcava nos povos, através da opulência, o poder catártico de um amor nacionalista em torno do poder central  -  o Rei. Isto, a par dos valores do Humanismo, da Piedade, do Amor, da Militância, do Patriotismo, da Religiosidade, que a Cultura (seja na Arte, seja na Literatura, na Música, no Teatro, no Cinema, etc.) nos podem influenciar  -  e esta realidade assistiu-nos ao longo dos tempos. Aliás, não é impunemente, que António José Saraiva (in “O que é a Cultura”) nos adianta: «As circunstâncias históricas são, elas, uma consequência, a meu ver inevitável, da própria condição humana, quer dizer da própria Cultura e das condições em que se desenvolve». Temos então, como é dito, a História Humana a ser condicionada pela Cultura, pelos valores culturais. Assim, a título de exemplo, se compararmos os tempos do Estado Novo (e os valores que a arte oficial da época nos oferecia) com os tempos actuais da Democracia (e as formas de Arte que actualmente se vive), poderemos justificar a afirmação adiantada, e a constatação dos valores culturais a condicionarem a História do Homem.

José Alexandre Laboreiro


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