sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA RÁDIO DIANA/FM

                                 O Pecado Original

Sexta, 27 Dezembro 2013 09:30
Hesitei, nesta época natalícia, propícia à paz, à tranquilidade e à reconciliação, em falar do que terá provocado a crise europeia e, por esta via, acelerado a crise portuguesa. Mas assisti, na quarta-feira passada, a um programa de televisão sobre a Europa, centrado na Grécia, que diz bem da forma como a Europa ou, melhor, as Instituições Comunitárias e os Governos dos Estados-membros são responsáveis pelo eclodir da crise financeira europeia. A importância do assunto acabou por se sobrepôr.
Disse-se, nesse programa televisivo, que a Grécia não deveria ter entrado no euro na altura em que entrou. A razão era simples: não cumpria os critérios de convergência de Maastricht. E, no entanto, cumpriu-os! Expliquemo-nos: cerca de dois anos antes da decisão sobre quem entraria ou não na primeira vaga do euro, a Grécia não cumpria os critérios e dificilmente os conseguiria cumprir até à data prevista. Apesar disso, conhecedores da situação, o Governo grego vendeu a ideia de que o berço da democracia europeia não poderia ficar de fora da fundação do euro e que, portanto, as notas de euros não poderiam sê-lo sem que os caracteres gregos nelas estivessem inscritos. A França lá ajudou a Grécia a diminuir o défice através de duvidosas operações económicas, financeiras e contabilísticas e o conhecido Goldman Sachs não lhe ficou atrás na ajuda que deu para a ocultação do défice da dívida pública grega. E a Grécia lá entrou para o euro na primeira leva, tornando-se num dos Estados-membros fundadores da moeda única europeia.
Até aqui, tudo mal, mas nada de novo. Dizia-se que os Estados-membros desconheciam a situação real e que as Instituições Comunitárias e os altos funcionários comunitários também. Ou seja, exceptuando, talvez, dois ou três ministros ou antigos ministros gregos, ninguém sabia de nada! Está-se mesmo a ver...!
 O que há de novo e o que o tal programa televisivo pôs paradoxalmente a nu é que, agora, desde que a crise se tornou séria, a União Europeia - isto é, os Estados-membros, com os seus Governos, e as Instituições Comunitárias, com os seus altos funcionários - nos anda a tentar meter na cabeça que o responsável pela crise, o pecado original da crise europeia, chama-se Grécia. Ou seja, se a Grécia tivesse cumprido os critérios de convergência ou, em alternativa, tivesse ficado fora do euro, nunca teria existido qualquer crise na União Europeia! Todo o programa televisivo foi neste sentido, no sentido de mostrar o quão mal agiram todos os agentes políticos europeus da altura... para com a Grécia! Incluindo, portanto, os gregos. E se é verdade que agiram mal, porventura, com dolo político, não apenas na Grécia nem apenas para com a Grécia, para mim, o problema principal foi e é outro. O problema principal é que poucos eram os Estados-membros que estavam em condições de poder aderir à moeda única. E em vez de se terem ajudado mais os Estados-membros que não estavam em condições de aderir à moeda única para o poderem fazer, com o objectivo de cumprir bem o sonho político de existir uma moeda única, fez-se o contrário: optou-se por olhar a realidade como se do sonho se tratasse. Ou seja, sem que, antes, se tivesse impulsionado convenientemente a realidade para que esta pudesse ir ao encontro do sonho. O resultado foi a crise. Que, diga-se, mais cedo ou mais tarde, com ou sem dolo, haveria de acontecer. Basta perceber, por exemplo, que, com a entrada na moeda única, a dívida da Grécia como a de Portugal ou a de Espanha, se tornou uma dívida segura, quase sem risco. E que, ao ter-se tornado numa dívida quase sem risco, permitiu que os juros fossem muito baixos. Tão baixos que foi muito fácil criar nova dívida, o que levou ao boom imobiliário. E ao aumento de salários, que implicou perda de competitividade. E ao aumento do défice comercial e ao endividamento crescente. E se quando se dispõe de moeda própria é fácil diminuir salários através de uma desvalorização da moeda ou, se se for um país credível, quando se dispõe de moeda própria é fácil emitir moeda para pagar dívida, com a moeda única o caso muda de figura. E é isto que ainda hoje não se quer assumir. E este é que foi o verdadeiro pecado original.
Em conclusão, independentemente dos erros em si, confirmar que continuam a ser raros, muito raros, os responsáveis políticos, seja a que nível for, que são capazes de os assumir, leva-me cada vez mais a desejar que a classe política, portuguesa, europeia e mundial, eleja o carácter como atributo essencial para o exercício da actividade política. Eis um bom desejo para o ano de 2014. E seguintes, dada a dimensão do desejo!
Matim Borges de Freitas


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