CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
QUEM OU PORQUÊ?
Voltou o terror do fogo. E a minha vontade de respeitar os mortos
e os que os amam com o silêncio choca com o espectáculo da histeria de
desconhecidos que dizem ser assim que se lhes pode tomar as dores. A tristeza
de todos nós, Portugueses, é tão inegável como a dor real dos que a sentem, e
até essa se mostra aos outros em doses tão desiguais quanto inquestionáveis.
Mas a exibição excessiva da lágrima que se verte pela dor do outro arrisca a
parecer, e talvez a ser, tão mesquinha como a falta de compaixão, aquela que
desperta a vontade de ajudar quem sofre. E por isso, desta vez, neste luto,
falarei. Pouco, mas falarei.
Tivemos de novo as forças desiguais
da Natureza que desasam os humanos. Todos os humanos. Da costa Oeste da América
do Norte à costa mais Oeste da Europa. Não me venham por isso falar de
conspirações… De novo os mais vulneráveis, os que com ela, a Natureza,
convivem, até que se revolte, em cumplicidades invejadas ou incompreensíveis
para os que vivem dela mais afastados, são as suas primeiras vítimas. Como se
os santos da casa não fizessem milagres, ou só fizessem a alguns: àqueles que
ouvimos, incrédulos. Eles incrédulos pelo milagre de terem escapado, incrédulos
nós por não nos conseguirmos imaginar na sua pele. Os medos na Cidade, uns
mesmo à espreita outros atávicos, levam-nos a sentir na vida no campo, junto
dela, a Natureza, uma espécie de nostalgia do paraíso terrestre. E quando o
paraíso se transforma em inferno, ficamos à procura da mesma lógica que explica
os “porquês”. A lógica que se aplica a nós, os da Cidade, grande ou pequena,
onde os quatro elementos – fogo, ar, terra, água – estão relativamente
domesticados, onde a dureza da pedra e da cal ou do tijolo e do cimento não
atrai o fogo como a seiva dela, a Natureza.
Transformamo-nos todos, os que
assistimos ao que parece, e desejávamos que fosse, só uma história de terror,
naquela personagem que investiga o crime. E nessa ânsia humana de remediar com
a justiça o que tantas vezes é já só uma pálida amostra de um remédio que cura
a dor, esquecemos que na procura do culpado um longo percurso requer que à
pergunta “quem?” venha antes a pergunta “porquê?”. Na recolha das provas, o
móbil do crime é a meada de fios da qual talvez apenas só um seja o condutor
que liga a vítima ao carrasco. É desse trabalho de investigação, pesquisa,
minúcia, cuidado, que se pode chegar ao fim e descobrir o “quem”. Mas mais: é
com esse trabalho que se evita que, quando as vítimas parecem ser em série, se
tomem as devidas providências para que não chegue a haver a próxima vítima. Não
garantimos que não se repita, mas tentamos. É desse trabalho que podemos,
quando ela, a Natureza, mostra a sua fúria ter connosco o conhecimento, a
técnica, o instrumento que torne esse medir de forças menos desigual. É
trabalho, é empenho, é concentração de esforços de equipa e não de uns a
quererem livrar-se dele e outros a querer despachá-lo para recolher dele os
louros. A culpa? A culpa há-de ter que se apurar, claro. Até com o risco de
podermos vir a não gostar de ter encontrado “aquele” culpado. É tempo de ter
esse trabalho. Já era, há muito. Silêncio! E fale quem sabe que nós estamos cá
para ouvir e aprender. Também a sobreviver.
Até para a semana.
HOJE
JOSÉ POLICARPO
NÃO SÃO ROSAS, SÃO CHAMAS!
As chamas que fustigaram este ano muitos dos nossos concelhos,
sobretudo no centro e no norte do país, causaram danos nunca vistos e em muitos
casos irreversíveis. Morreram dezenas de pessoas, muito perto de uma centena. A
área ardida ascende a quase 200 mil hectares – 200 mil campos de futebol – e a
perda de bens deve ser inquantificável – neste número integram-se muitas, mesmo
muitas casas de habitação própria!
É
verdade que o ano em curso está ser manifestamente quente e seco, no último
domingo tivemos segundo os meteorologistas, temperaturas anormalmente elevadas
para esta época do ano. O verão também fora muito quente e seco. Tudo isto é
verdade. Por isso, foram criadas as condições climatéricas perfeitas para a
ignição de fogos. Porém, o número e a extensão dos incêndios, mesmo para um
leigo na matéria como é o meu caso, são absolutamente incompreensíveis.
O
certo é que em Espanha, França, Itália e Grécia, países mais florestados do que
o nosso e com climas idênticos ao nosso, a área ardida foi manifestamente
inferior à nossa. Ora, impõe-se a pergunta que para mim é mais do que evidente:
O que é que estes países fazem para não terem sido tão expostos aos incêndios,
como o nosso país foi?
A
esta resposta o Governo não pode nem deve furtar-se. O governo português tem de
explicar aos seus administrados – o povo – quais são as causas desta
calamidade. Se as medidas e a politica de prevenção de incêndios são as
adequadas. Se há falta de meios. Se a política do ordenamento florestal está
alinhada com as melhores práticas internacionais. Não são “rosas” que estão em
causa, são vidas humanas e que merecem um tratamento digno por parte de quem
tem o dever de lhes garantir a proteção das suas vidas e dos seus bens.
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