CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
DA INSUSTENTÁVEL
LIGEIREZA DO SER
Parece
que a mulher de um presidente dos EUA, não a actual e jovem Melânia mas a
senhora Eleanor Roosevelt, teria sido autora de uma afirmação sobre mulheres de
que muito gosto. Terá dito que as mulheres são como as saquetas de chá e que só
quando metidas em água quente revelam o quão fortes são. Gosto, sobretudo,
porque substituiria bem, hoje em dia, mulher por ser humano e a frase
continuaria igualmente rica de significado. Ora, a autora parece não ter sido
Eleanor, tratar-se-ia antes de um ditado irlandês de meados do século XIX, e
que terá sido outra primeira-dama norte-americana, Hillary Clinton, quem lha
atribuiu nos anos 90, sabe-se lá já com que intenções de valorizar a
importância das “consortes” da República. Seja como for, é conversa equívoca
como uma bela metáfora, esta comparação que não estará isenta de tresleituras
mas está certamente pejada de boas imagens.
Nesta época em que
tantos e tantas vão a banhos, normalmente procurando águas cálidas, a imagem
aparentemente frívola e discriminatória, ainda que cheia de delicadeza, leva-me
a encerrar este ano de crónicas com um tema que, mais do que acentuar uma geral
questão de género, trata a necessidade do ser para além do parecer.
Curiosamente, a ligação deste par ser/parecer é muito colada, quase
universalmente e ao longo da História, ao género feminino, até por quem luta
militantemente nas questões feministas. Afirmo-o com à-vontade, pela
convivência que tenho com uma geração que, nascida e criada em ambiente não
discriminatório de género, não perde o seu tempo, na sua maioria, com essa
necessidade constante de distinção e afirmação de género, o que bem pode
agradecer às gerações anteriores.
A frase traz-me o
gosto no desgosto das generalizações tendenciosas. Ou seja, generalizarmos
quando nos dá jeito e reclamarmos o “cada caso é um caso” quando…nos dá jeito,
também. Enfim, padrões e padronizações de que nenhum de nós está isento nos
vários gestos do dia-a-dia e que só na casmurrice ganham contornos de ridículo.
A casmurrice é, aliás, recorrente em vários graus e esferas. “Casmurrice” aqui
entendida literalmente como obstinação, já “esfera” considerada figuradamente
como extensão da autoridade ou poder, dos talentos ou das atribuições.
A generalização da
placidez feminina desgosta-me tanto como a generalização do profissionalismo,
da capacidade de mobilização, da determinação (que pode confundir-se sempre com
a dita casmurrice) ou da competência, todos atribuídos a elementos dessa
esfera, aqui no outro sentido literal para além do sólido geométrico, onde a
esfera se perfila ao lado do pilar, que é a condição de ser mulher. Ou mãe, ou
esposa ou o que quer que seja que tem, no correspondente outro género, igual
valor distintivo para o que quer que seja. Enfim, o que é possível encontrar
numa mente aberta, que olha o futuro de frente e não com os olhos na nuca,
sempre com medo de quem está à volta ou atrás e possa vir reclamar também a sua
participação nesse futuro.
Gosto de poder ser
comparada, ao lado dos homens, mulheres e transgéneros, todos sem transtornos
de identidade que façam do género o argumento mais forte que arrasta, como
velhas latas atadas entre si por um cordel, qualquer outra qualidade ou
característica assexuada e muito mais valiosa; gosto de ser comparada com um
delicado saquinho de chá, capaz de revelar todo o seu esplendor quando tem de
ser. “Capaz” é uma palavra sem género e é por isso que eu gosto de me rodear
dos que são capazes. E qualquer ser humano (generalizo) é tão capaz, por ser
ser e ser humano, de despertar em nós admiração com destacadas boas
características muito suas (individualizo) em que demonstra, quase de forma
natural e inconsciente, o que de melhor tem para dar. Essas são o que dão
sentido à Vida. Pelo menos à minha! Boas férias e até breve.
Sem comentários:
Enviar um comentário