quarta-feira, 7 de junho de 2017

ENSAIO PARA UM QUADRO DE REVISTA - Original do Helder Salgado

a LOJA DO BERNARDINO

Cenário
 Balcão corrido com estantes com fazendas e vestiário feminino e masculino.
O Sr. Bernardino, homem esguio e meio curvado, está vestido com uma bata cinzenta. Está sozinho na loja, muito bem disposto, cantarolando e bandeando o corpo. Está obcecado por beijar uma rapariga.

CANTA : "Comadre rica comadre gosto muito da sua afilhada - repete -  é bonita apresenta-se bem, parece que tem a face roçada" e ainda repetiu  - parece que tem a face rosada - não dando por entrar a sua comadre Maria Pulquéria, mulher  mal vestida, curvada e com lenço na cabeça, que só ouve  a  última parte da cantiga,
O lojista prazenteiro apressa-se a falar á Maria Pulquéria.
- Olha a mais simpática das minhas freguesas.
Responde a Maria Pulquéria com ar de firmeza.
- Era, mas vou deixar de o ser.
Responde o Bernardino, surpreso.
- Ó comadre, vai deixar ser minha freguesa?
Responde Maria Pulquéria, na mira de levar roupa fiada ou de borla para a afilhada que faz dezoito anos.
- Não vou deixar de ser sua freguesa, mas agora, com certeza e desde já vos digo, que vou deixar de ser simpática para consigo.
O lojista ainda mais surpreendido e meio atrapalhado.
- Ó mulher, que bicho lhe mordeu, comadre minha? Diga-me pela sua alminha, que mal lhe fiz eu?
A Pulquéria continua.
O senhor não se lembra qual foi a sua ofensa há um ano, quando a minha afilhada fez dezassete anos?  O senhor só lhe deu um beijo e uma reles prenda…
O Bernardino voltando-se para o público diz:
- E na gaveta tenho outra para lhe dar, ela é que não sabe.
E a comadre continuou.
- Quando lhe falo nisso, a alma da minha afilhada Vespertina, fica em reboliço, e a face rosada, tão rosada e a deitar cá um calor... que até parece tem aquela coisa avermelhada.
Bernardino, com os olhos esbugalhados e muito perto da comadre, a parecer que a querer engolir.
- Ó Maria Pulquéria, Pulquéria Maria não me trate desse jeito, que eu sou homem de respeito.
Diga lá mas é para o que vem, que eu já a vou aviar e, depois de me pagar, ponha-se daqui a andar.
A comadre, como a desprezar as palavras do lojista, e a sorrir tenta agarrar-lhes as mãos - o final da frase é dita muito lentamente e a esfregar as mãos.
- Para que está para aí a gritar, Bernardino meu compadre, não vamos perder o tino, que tudo se há-de arranjar, garante a Pulquéria a sua comadre... que tudo se há-de arranjar.
Bernardino, mais alegre, mas com ar interrogativo.
- Já está com outro falar e a simpatia a voltar, se a Vespertina gostou, ainda a posso beijar?
A Maria Pulquéria, com voz meiga e ainda com meio sorriso.
- O que lhe posso dizer? Só sei que dezoito anos ela hoje vai fazer.
O lojista mais satisfeito.
- E para os anos comemorar, que prenda lhe vamos dar?
Maria Pulquéria.
- Um corpete de cetim, com lindos botões de marfim, para os seus peitos resguardar.
Bernardino todo babado.
- Era no que estava a pensar, pois ela já os tem a arredondar, e nem precisa pagar.
Maria Pulquéria, contente e surpreendida.
- Assim,?!!!! até eu sou capaz de o beijar.
O lojista faz uma careta de repúdio.
- Chiça que é maluca.
Entra a Vespertina. Rapariga de estatura mais alta que média,  vestida com uma blusa leve, a mostrar a saliência dos seios e uma saia rodada por cima dos joelhos, com ar de leviana.
- Ó madrinha, Ó madrinha venho buscar a prenda minha.
E para que no meu corpo se veja……. Prenda de faianca não seja.
O Bernardino olha para a rapariga embevecido.
- Posso-te dar um beijinho?
Um corpete já  tu tens, para apertar o teu corpinho, que o quero bem arranjadinho.
Vespertina, abanando por baixo os seios voltada para o público.
- É o que eu preciso ter, pois estas... não param de crescer,- voltando-se, agora, para o lojista  - mas para as poder resguardar, uma blusa eu tenho que comprar. Não acha senhor Bernardino?... O meu corpo cada dia está mais fino.
O lojista, contente.
- Se está filha, se está filha. És um dom da natureza e com essa tua leveza, até eu subia ao Céu…  Ai quem me dera que esse corpo fosse meu.
E com muita meiguice, continua
Posso-te dar um beijinho?
A madrinha, a refrear o lojista
- Comprar filha? e onde está o pilim?
Bernardino ao mesmo tempo que vai buscar uma blusa.
- Não se estão a esquecer de mim? Aqui tens uma blusa de igual cetim, que nenhuma rapariga do Alandroal usou, e guardada para ti, naquela gaveta ficou.
O lojista aproxima-se da rapariga e tenta colocar-lhe a blusa, primeiro no peito depois nas costas. A rapariga deixa que o Bernardino lhe mire e remire o corpo, com ar patético diz, voltando-se para o público.
- Que coisa fina que os meus olhos encantou, parece a Gina – e aqui engasga-se   - , LoloLolo, Lolobrigida ou a Brigite Bardot
A Vespertina com matreirice objetiva.
- Ai senhor Bernardino é prenda de senhor fino, e só da blusa estrear eu já me sinto corar ou é do senhor de mim se aproximar?
A madrinha, referindo-se à afilhada, mas dirigindo-se ao lojista.
- Tem um corpo de encantar, esta minha afilhadinha e para esconder a perninha... Uma saia também está a precisar.
O Bernardino, a sentir-se enganado e voltando-se para o público;
- Mas onde é que isto vai parar...  e não há meio de a beijar.
A madrinha insinuante.
- A esperança não vá perder…pode ser que com a saia um beijinho lhe vá ter.
A rapariga para a madrinha e apontando para o lojista.
- Não se apoquente madrinha, ora... veja lá a tática minha, que ela vai resultar e com a saia... também ele vai entrar.
Dirige-se ao lojista mostrando desejo que ele lhe toque, quase a roçar-se por ele.
- Vá lá senhor Bernardino que não há duas sem três, e com a saia, pode ser que o beijinho venha de vez.
O Bernardino já vencido e tristonho.
- Podes muitos anos fazer, que prendas minhas nunca mais vais ter. Vá toma lá a saia e que eu noutra, nunca mais caia.
A Vespertina triunfante mas condescendente.
- Porque tem tanto desejo da minha cara beijar? Estou-me eu a interrogar? Ora dê-me lá dois beijos ou ainda quer mais.
Cantam os três (cantar dos reis)
- Porque os beijos são desejos e atrás dos beijos vem tudo o mais.
Repete duas vezes com o público.
A madrinha e a afilhada saem, por momentos de cena e o Bernardino fica em palco sozinho e diz com ar interrogativo e triste:
- Maleitas de amor que é que as não tem? – os três em cena, cantando -   lá diz o Doutor que até fazem bem.
Bernardino
- É um mal dos antigos. E eu por dois beijos… deixei ir embora os três... Artigos

Hélder Salgado
27-05-2017

1 comentário:

Anónimo disse...



OBS.

Helder


Já estive a ler. Podes agora passar da mercearia, para uma peixaria,etc, e

depois dás um salto "até uma rabula" que também passe por incorporar

Terena.

Abraço


ANB