a LOJA DO BERNARDINO
Cenário
Balcão
corrido com estantes com fazendas e vestiário feminino e masculino.
O
Sr. Bernardino, homem esguio e meio curvado, está vestido com uma bata cinzenta.
Está sozinho na loja, muito bem disposto, cantarolando e bandeando o corpo.
Está obcecado por beijar uma rapariga.
CANTA : "Comadre rica comadre gosto muito da
sua afilhada - repete - é
bonita apresenta-se bem, parece que tem a face roçada" e ainda
repetiu - parece que tem a face rosada - não dando por entrar a sua comadre
Maria Pulquéria, mulher mal vestida,
curvada e com lenço na cabeça, que só ouve
a última parte da cantiga,
O lojista
prazenteiro apressa-se a falar á Maria Pulquéria.
- Olha a mais simpática das minhas freguesas.
Responde a Maria
Pulquéria com ar de firmeza.
- Era, mas vou deixar de o ser.
Responde o
Bernardino, surpreso.
- Ó comadre, vai deixar ser minha freguesa?
Responde Maria
Pulquéria, na mira de levar roupa fiada ou de borla para a afilhada que faz
dezoito anos.
- Não vou deixar de ser sua freguesa, mas agora, com
certeza e desde já vos digo, que vou deixar de ser simpática para consigo.
O lojista ainda
mais surpreendido e meio atrapalhado.
- Ó mulher, que bicho lhe mordeu, comadre minha?
Diga-me pela sua alminha, que mal lhe fiz eu?
A Pulquéria continua.
O senhor não se lembra qual foi a sua ofensa há um
ano, quando a minha afilhada fez dezassete anos? O senhor só lhe deu um beijo e uma reles
prenda…
O Bernardino
voltando-se para o público diz:
- E na gaveta tenho outra para lhe dar, ela é que não sabe.
E a comadre
continuou.
- Quando lhe falo nisso, a alma da minha afilhada
Vespertina, fica em reboliço, e a face rosada, tão rosada e a deitar cá um
calor... que até parece tem aquela coisa avermelhada.
Bernardino, com os
olhos esbugalhados e muito perto da comadre, a parecer que a querer engolir.
- Ó Maria
Pulquéria, Pulquéria Maria não
me trate desse jeito, que eu sou homem
de respeito.
Diga lá mas é para o que vem, que eu já a vou aviar e,
depois
de me pagar, ponha-se daqui a andar.
A comadre, como a
desprezar as palavras do lojista, e a sorrir tenta agarrar-lhes as mãos - o final da frase é dita muito
lentamente e a esfregar as mãos.
- Para que está para aí a gritar, Bernardino
meu compadre, não vamos perder o tino, que tudo se há-de arranjar, garante a
Pulquéria a sua comadre... que tudo se
há-de arranjar.
Bernardino, mais
alegre, mas com ar interrogativo.
- Já está com outro falar e a simpatia a
voltar, se a Vespertina gostou, ainda a
posso beijar?
A Maria Pulquéria,
com voz meiga e ainda com meio sorriso.
- O que lhe posso dizer? Só sei que dezoito
anos ela hoje vai fazer.
O lojista mais
satisfeito.
- E para os anos comemorar, que prenda lhe vamos dar?
Maria Pulquéria.
- Um corpete de cetim, com lindos botões de
marfim, para os seus peitos resguardar.
Bernardino todo
babado.
- Era no que estava a pensar, pois ela já os tem a arredondar,
e nem precisa pagar.
Maria Pulquéria, contente
e surpreendida.
- Assim,?!!!! até eu sou capaz de o beijar.
O
lojista faz uma careta de repúdio.
- Chiça que é
maluca.
Entra a Vespertina. Rapariga
de estatura mais alta que média, vestida
com uma blusa leve, a mostrar a saliência dos seios e uma saia rodada por cima
dos joelhos, com ar de leviana.
- Ó madrinha, Ó madrinha venho buscar a prenda minha.
E para que no meu corpo se veja……. Prenda de faianca
não seja.
O Bernardino olha
para a rapariga embevecido.
- Posso-te dar um beijinho?
Um corpete já
tu tens, para apertar o teu corpinho, que o quero bem arranjadinho.
Vespertina, abanando
por baixo os seios voltada para o público.
- É o que eu preciso ter, pois estas... não param de crescer,- voltando-se, agora, para o lojista - mas para as
poder resguardar, uma blusa eu tenho que comprar. Não acha senhor
Bernardino?... O meu corpo cada dia está
mais fino.
O lojista,
contente.
- Se está filha, se está filha. És um dom da natureza
e com essa tua leveza, até eu subia ao Céu…
Ai quem me dera que esse corpo
fosse meu.
E com muita
meiguice, continua
Posso-te dar um beijinho?
A madrinha, a refrear
o lojista
- Comprar filha?
e onde está o pilim?
Bernardino ao
mesmo tempo que vai buscar uma blusa.
- Não se estão a esquecer de mim? Aqui tens uma blusa
de igual cetim, que nenhuma rapariga do Alandroal usou, e guardada para ti,
naquela gaveta ficou.
O lojista
aproxima-se da rapariga e tenta colocar-lhe a blusa, primeiro no peito depois
nas costas. A rapariga deixa que o Bernardino lhe mire e remire o corpo, com ar
patético diz, voltando-se para o público.
- Que coisa fina que os meus olhos encantou, parece a
Gina – e aqui
engasga-se - , LoloLolo, Lolobrigida ou a Brigite Bardot
A Vespertina com matreirice
objetiva.
- Ai senhor Bernardino é prenda de senhor fino, e só
da blusa estrear eu já me sinto corar ou é
do senhor de mim se aproximar?
A madrinha, referindo-se
à afilhada, mas dirigindo-se ao lojista.
- Tem um corpo de encantar, esta minha
afilhadinha e para esconder a perninha... Uma
saia também está a precisar.
O Bernardino, a
sentir-se enganado e voltando-se para o público;
- Mas onde é que
isto vai parar... e não há meio de a
beijar.
A madrinha
insinuante.
- A esperança não vá perder…pode ser que com a saia um
beijinho lhe vá ter.
A rapariga para a
madrinha e apontando para o lojista.
- Não se apoquente madrinha, ora... veja lá a
tática minha, que ela vai resultar e com a saia... também ele vai entrar.
Dirige-se ao
lojista mostrando desejo que ele lhe toque, quase a roçar-se por ele.
- Vá lá senhor Bernardino que não há duas sem três, e
com a saia, pode ser que o beijinho venha
de vez.
O Bernardino já
vencido e tristonho.
- Podes muitos anos fazer, que prendas minhas nunca mais vais ter. Vá toma lá a saia e que eu
noutra, nunca mais caia.
A Vespertina
triunfante mas condescendente.
- Porque tem tanto desejo da minha cara
beijar? Estou-me eu a interrogar? Ora dê-me lá dois beijos ou ainda quer mais.
Cantam os três (cantar
dos reis)
- Porque os beijos são desejos e atrás dos beijos vem
tudo o mais.
Repete
duas vezes com o público.
A madrinha e a
afilhada saem, por momentos de cena e o Bernardino fica em palco sozinho e diz
com ar interrogativo e triste:
- Maleitas de amor que é que as não tem? – os três em cena, cantando - lá diz o Doutor que até fazem bem.
Bernardino
- É um mal dos antigos. E eu por dois beijos… deixei
ir embora os três... Artigos
Hélder Salgado
27-05-2017
1 comentário:
OBS.
Helder
Já estive a ler. Podes agora passar da mercearia, para uma peixaria,etc, e
depois dás um salto "até uma rabula" que também passe por incorporar
Terena.
Abraço
ANB
Enviar um comentário