O BOM E O MAU
LADRÃO
Começo
com um aviso aos ouvintes e leitores desta crónica: se o recurso à ironia
perpassa muitos textos de forma mais ou menos velada, com intenção até de criar
equívocos que podem ser sempre desculpados com a coincidência, embora eu
prefira chamar-lhe habilidade em aproveitar beneficamente as circunstâncias, esta
crónica é quase toda ela declaradamente irónica. Inspira-se no regresso de
Isaltino à vida política institucionalizada e imbui-se do espírito pascal da
semana, evocando a parábola dos bom e mau ladrões que, dizem, acompanharam
Jesus Cristo na mesma sorte de sentença pela crucificação.
Não tenho grandes dúvidas de que
há por esse país fora muitos autarcas (mas não só) que tendo exercido a tempo
inteiro, de alma e coração, suor e lágrimas, funções políticas por definição
nobres e imprescindíveis, estejam profundamente saudosos das mesmas. O ritmo
alucinante que as responsabilidades de tais funções exigem, à partida, deixa
uma espécie de síndrome de abstinência. Alguns conseguem ultrapassá-la, outros
contorná-la procurando formas de exercerem o mesmo cargo após hiato ou
alteração geográfica legalmente possíveis. A Isaltino Morais não terão sido
alheios alguns destes sintomas, sobretudo quando amparados por uma legitimação
popular expressa no voto, felizmente democrático.
Mas, quer queiramos quer não, e
pese embora muitas vezes o valor do conjunto não ser qualitativamente o mesmo
que a aritmética soma das partes, a eleição política, em diversos âmbitos
institucionais, diz-me muito mais sobre os eleitores do que sobre a pessoa
eleita. Até porque, naturalmente, sobre o eleito e enquanto convicta adepta e
praticante do voto, tenho por hábito formar a minha opinião enquanto ela ou ele
é ainda elegível, independentemente dos resultados que obtenham e que, natural
e democraticamente, aceito mesmo quando não gosto. O aceitar é um gesto
orgânico por isso dinâmico que, nalguns casos, faz sobre-valer a atitude
pontual de bom senso à má impressão do resto da atitude e do comportamento
assumidos.
Nesta Semana Santa de uma
tradição que distingue o culpado que se arrepende do culpado que tenta o
tráfico de influência com Jesus para escaparem todos, solidariamente, da pena,
através de uma parábola que na arte de bem contar ganharam os nomes de
respectivamente Dimas e Gestas, revejo a atitude esquizofrénica da opinião
pública considerada na sua massa informe e indistinta, aquela que, para além do
sistema democrático, também permite à ciência e à técnica evoluírem, isolando
apenas pontual e excepcionalmente os que são dissonantes desse comportamento do
colectivo: os primeiros que, antes de ser provada a culpa ou comprovada a
inocência, já estão a crucificar uns proactivamente à aplicação da Justiça, são
os mesmo que, depois da Justiça condenar por provas dadas de crime e, cumprida
a pena ou parte dela, reintegram na sociedade os que se viram privados de nela
participarem durante o cumprimento da sentença. E isto, cristãos ou nãos, só
pode deixar uma alma descansada, certo? Embora talvez um pouco baralhada e
quase tentada a querer crer que num outro tempo para além da vida, onde nada se
passará assim, será um amanhã que canta, num reino que não é deste mundo. Eu cá
prefiro aproveitar a Páscoa para interromper por breves horas alguma rotina e
provar um bom docinho feito de ovos, do que acreditar que o anjinho ou o
diabinho que se sentam um em cada ombro de uma alma que dê ouvidos a esses
serzinhos, algum dia se vão derrotar um ou outro e deixar a alminha em paz. Bom
mesmo, é poder não dar ouvidos a essas vozes e encontrar a conduta que, mesmo
solitária e pesada, nos traça um caminho duro mas sem penas. E que é o que
desejo a todos os meus amigos, sempre. A todos os ouvintes e leitores, os meus
votos de uma boa e santa Páscoa!
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