sexta-feira, 10 de março de 2017

LUGAR À CULTURA

          Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.
Portuguesas com História
                                                           Ana de Castro Osório
 «Os filósofos que acreditam na lógica absoluta da verdade nunca tiveram de travar uma discussão cerrada com uma mulher».
Cesare Pavese
(Escritor, poeta e ensaísta italiano – 1908/1950)

Uma das pessoas que mais contribuiu para que se afirmasse, como realidade, o estatuto jurídico da Mulher em Portugal, seria Ana de Castro Osório  -  a quem se deve um dos primeiros manifestos feministas no nosso País: intitulado “Às Mulheres Portuguesas”.
Como jornalista, ela assume-se feminista apesar de reconhecer que a palavra “feminismo” seria, no Portugal de então, «uma palavra de que os homens se riam ou indignavam, consoante o temperamento, e de que a maioria das próprias mulheres        coram, coitadas, como de falta grave cometida por colegas (algumas), mas de que elas não são responsáveis, louvado Deus ...»
Considerando-o um movimento justo e essencial (“nada mais justo  -  afirma  -  nada de mais razoável, do que este caminhar seguro, embora lento, do espírito feminino para a sua autonomia”) tenta manifestá-lo, quer pela negativa, quer pela positiva. Chama a atenção, deste modo, que feminismo «não consiste em pôr gravatas e colarinhos de homem, que se podem usar como prova de simplicidade ou de extravagância, mas nunca como afirmação de opiniões». Nem se traduz  -  afirma na mesma linha de ideias  -  em «querer que as mulheres umas insexuais, umas masculinas de caricatura, como alguns cuidam». Consiste, sim, em «desejá-las criaturas de inteligência e de razão, educadas útil e praticamente de modo a verem-se ao abrigo de qualquer dependência, sempre amarfanhante para a dignidade humana.»
Amiga de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, ambas consideram, inaceitável o estatuto de subordinação em que se encontrava a mulher portuguesa em finais do séc.XIX, inícios do séc. XX  -  em que (como ambas afirmam) desempenhavam o papel de escravas, nascidas apenas para felicidade e regalo dos homens, uma vez que   -  ao longo de sucessivos séculos em que a mulher foi a reclusa do convento ou da família  -  a sua vida teve um único fim: agradar.
Ora, para alterar este estado de coisas, preconiza Ana de Castro Osório  -  para que se passe a julgar todos os indivíduos intelectualmente semelhantes sem distinção de sexo, aptos igualmente a estudar e progredir pelo trabalho  -  que é fundamental educar a mulher.
Tal como Carolina Michaëlis de Vasconcelos, admite Ana de Castro Osório que «o homem português tem o terror instintivo da mulher culta e intelectualmente independente» e que, não estando habituado a deparar no caminho da vida, com mulheres suas iguais pela ilustração, as desconhece,  as despreza por vezes, as teme quase sempre. Do mesmo modo, tanto Carolina Vasconcelos, como Ana de Castro Osório, vêem no analfabetismo (em particular o das mulheres) uma das nossas maiores vergonhas como Portugueses. Do mesmo modo, rebate -  enquanto absurdo a todos os títulos  -  o pretenso argumento científico da superioridade intelectual do homem, decorrente do cérebro feminino ser menos pesado e consequentemente inferior ao homem.
Assim, defenderá Ana de Castro Osório, um entendimento entre Homem e Mulher assente num diálogo em redor de temáticas culturais válidas, bem como numa base cultural no íntimo dos espíritos de ambos -  que lhes permitam transmitir aos filhos um dote em Educação e Cultura (enquanto raízes em que assenta a afirmação do Ser Humano, como Entidade verdadeiramente independente e livre).
De igual modo, Ana de Castro Osório considera essencial a participação activa da Mulher na vida política, uma vez que  -  sendo a política a arte de bem dirigir uma nação, e a nação pertence tanto ao Homem como à Mulher  -  deparamos com a vida activa (na Política) de Ana de Castro Osório: protestando contra as injustiças, as forças anti-democracia, as intrigas políticas, defendendo os direitos e o cumprimento dos deveres  -  enquanto alicerces de uma Democracia que sabe e cuida de formar cidadãos. Parte da sua personalidade e dos seus ideais, herdou-os Ana do pai: João Baptista de Castro considerava que a Mulher não podia ver-se inibida de votar só por ser do sexo feminino, e por isso mesmo deixou expresso na sentença que ditou, como juiz, no recurso de Carolina Beatriz Ângelo (médica, feminista e republicana  -  conhecida  pelas suas intervenções políticas)  -  que recorrera ao tribunal em Abril de 1911, reclamando o direito de ser incluída no recenseamento eleitoral. A sentença tornar-se-á histórica e Carolina seria a primeira mulher a votar em Portugal  -  e em todo o sul da Europa.
A este propósito, protestaria Ana de Castro Osório: «Eu pergunto, senhoras, por que razão nos afastam das urnas, de que devem sair os representantes do povo, se nós somos mais de metade numérica desse povo? Eu pergunto com verdadeiro assombro, qual o espírito de justiça que actuou nos membros das Constituintes portuguesas, quando puseram de lado, com tão vexame desprezo para nós, mulheres, como para a magistratura portuguesa que nos dera o direito de votar, a questão do voto feminino considerando-a inoportuna? Porquê? Ah! Minhas prezadas consócias, eu senti, aqui de tão longe onde me encontro, vergonha pelos homens do meu país e prazer, ao mesmo tempo, de me encontrar neste momento afastada». Havia partido para S, Paulo (Brasil), com o marido  -  Cônsul Português junto da República Brasileira.
Com o aprofundamento do estudo do espólio, deixado por Ana de Castro Osório, soube-se  -  recentemente  -  que Ana de Castro Osório fora a grande “paixão” amorosa do admirado poeta Camilo Pessanha (o autor do livro de poemas “Clépsidra”  -  um dos livros mais marcantes da nossa Literatura em Poesia). Camilo Pessanha envia a Ana de Castro Osório uma carta a transmitir o Amor que lhe devotava: teria Camilo 26 anos e Ana 21. Porém, Ana (embora emocionada) escreve-lhe em resposta uma missiva  -  justificando a impossibilidade de comunhão de sentimentos, uma vez que vivenciava já um compromisso afectivo -  precisamente com o futuro Marido com quem partiria rumo à representação consular portuguesa no Brasil.
Porém, Ana de Castro Osório vivenciava uma grande admiração pela obra poética de Camilo Pessanha: e a prova desse apreço, está no facto de Ana de Castro Osório, ter assumido a responsabilidade pela edição e publicação do livro mais visível de Camilo Pessanha: “Clépsidra”.
Ana de Castro Osório não limitaria a sua acção ao âmbito da Literatura, e da luta pelos direitos da Mulher: As suas vivências passariam também pelo Culto Maçónico  -  tendo na Maçonaria o nome simbólico de Leonor Fonseca Pimentel (a revolucionária “Portuguesa de Nápoles”).
Ana de Castro Osório nasceu na Beira Alta (mais propriamente em Mangualde)  - em Junho de 1872: vivendo grande parte da sua vida em Setúbal  -  cidade do marido: o poeta republicano Paulino de Oliveira.        

José Alexandre Laboreiro          
In “O Montemorense”  Novembro 2016 – Transcrição autorizada pelo Autor

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