(DES)CULPA E (IN)JUSTIÇA
Até provas em contrário, em caso de asneira ou crime, o indivíduo
é considerado inocente. Funciona assim a regra dos sistemas de justiça das
sociedades evoluídas. Daqui se depreende que julgamentos prévios e precipitados
são antissistema. O antissistema da praça pública, das redes sociais, virtuais
ou concretas, é prolífero em julgamentos baseados no saber popular do “onde há
fumo, há fogo” e assentes em preconceitos de vária ordem. Do rumor à absolvição
há tantas vezes um percurso que fica a meio que, mesmo chegando-se à última
etapa no sistema legal das regras para uma sociedade que se deseja mais segura,
a condenação que fica pelo caminho é quase tão definitiva como aplicada, tal
qual uma sentença com pena paga por conta. Julgar é, também, penalizar alguém
que se considera culpado de situações criadas, coisa que podem fazer os
eleitores quando julgam as actuações de governo e oposições nos momentos
eleitorais.
Temos a decorrer no nosso país vários casos de justiça e,
curiosamente, os que são maiores em número de envolvidos e impacto público até
têm nomes que utilizam expressões muito criativas e próximas do sistema da
metáfora. Também temos as comissões de inquérito parlamentares na ordem do dia,
aparentemente também com um tipo de processo similar ao da Justiça, no sentido
de se apurar a culpa. Curiosamente, destes tribunais especiais que se formam
com quem representa os eleitores portugueses na Assembleia que legisla o
sistema em que vivemos, o caminho ou processo de averiguações assume uma
preponderância especial, com muito mais relevância dada ao discurso do que ao
facto. São excelentes oportunidades para exercícios de retórica e dialéctica,
que comportamentos na restante vida parlamentar poderiam emular. Mas o nível de
argumentação e discurso de quem tenta procurar, por definição do que é ser
oposição, a culpa de uma determinada falha (uma versão de crime), tem-se
revelado tão estranho quanto baixo, por assumir estilos a que nos habituámos
serem mais usados por quem nunca teve responsabilidades governativas e se
especializou, a nível nacional, em ser oposição que, mais do que fiscalizar a
acção dos governos, se reclama ser a voz dos mais imediatamente prejudicados
por determinadas opções, nem que estas sejam em nome de projecções que, mais
cedo ou mais tarde, os poderão vir a beneficiar. Aliás, esse estilo de
protesto, de contestação e reivindicação, terá dado origem a várias estruturas
corporativas que se integram no sistema e, até certo ponto, o ajudam a manter o
equilíbrio necessário.
Encontramo-nos politicamente a nível nacional numa situação
inédita de governação à esquerda, mas o Alentejo é a região em que a nível
local a situação já tem a idade da Democracia portuguesa. Talvez fosse
interessante os demais Portugueses – e porque não os Alentejanos mais
distraídos – pensarem um pouco nas semelhanças das formas de governo, decisão e
aplicação de princípios ideológicos (que qualquer político por mais
independente que seja deverá ter, sob pena de não ser então um político) dos Executivos
das várias “cores”. Das mais habituais no poder central, às mais distantes e
ainda assim relevantes no poder local. Talvez este exercício – que requer muita
atenção a programas eleitorais, editais e decisões aplicadas – nos faça
reequacionar socialmente os processos de decisões precipitadas de culpa, na
descoberta da desculpa fácil e no cuidado em distinguir a aplicação do que se
faz em nome da justiça ou do que se recusa por se considerar injustiça. A quase
seis meses das próximas eleições, os Portugueses em geral e os Alentejanos em
particular vão ter oportunidade de se pronunciar sobre quem mais próximo os
governa. E aqui o Alentejanos, face à novidade da situação nacional, podem
dizer que conhecem (se procurarem conhecer mesmo) a governação à esquerda, e
estão 40 anos adiantados. Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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