– Uma
vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e
costumes de outros tempos.
Montemorenses que
ficaram na História
D. João de
Sousa
Antes de
mais, convém saber quem era D. João de Sousa. Trata-se do primogénito do
fidalgo Rui de Sousa, valido muito estimado de D. João II e de D. Afonso V, que
lhe doara o Reguengo de Montemor-o-Novo, em 14 de Maio de 1465, passado para o
filho em 4 de Outubro de 1471
Conta-se
que quando D. João II esteve na Vila Notável, por ocasião da convocação das
cortes, mandara meter os cavalos na estribaria de D. João de Sousa, nobre,
brioso e valente cavaleiro desta vila, que então andava à caça, o qual sabendo
isto, se foi à estribaria, e, soltando os cavalos do rei, os pôs na rua. D.
João II o mandou chamar e lhe perguntou muito agastado, a razão porque
praticara tal acto – ao que o fidalgo respondeu – “porque não queira Deus, que
faça vossa alteza da casa de D. João, estribaria, e da casa de D. Fernando,
paço”.
D. João
II achou esta resposta tão digna, que perdeu instantaneamente a cólera, e dali
em diante sempre estimou e respeitou este fidalgo, fazendo-o depois seu
embaixador em Castela.
Conta-se
que durante a estadia de D. João de Sousa, como embaixador em Castela, em uma
corrida de touros, estando Fernando e Isabel no seu palanque, mandou esta vir
D. João à sua presença, tendo ordenado que, quando o português atravessa-se a
praça, soltassem um touro, o que se cumpriu. Vem o touro que, não vendo mais
pessoa alguma na praça, investiu com D. João de Sousa que, atirando-lhe o
capuz, desembainhou a espada e com uma só cutila separou a cabeça do touro.
Tornou o capuz, limpou a espada na pele do touro, e foi direito ao palanque
real, tão indiferente como se nada tivesse acontecido.
A rainha
disse-lhe: “Buena suerte hesieste, embajador!” ao que D. João respondeu
imediatamente, com o ar da maior sinceridade: “qualquer português faz outro
tanto”.
A saia da
virtuosa Maria Fernandes
Em Novembro de 1553, ocorreu o casamento do príncipe eborense D. João,
com a princesa D. Joana de Áustria. O pai do noivo, o monarca D. João III, quis
fazer à custa do povo, esplêndidas festas, e para as realizar, lançou um
prezado tributo ao povo. O enlace, que tantas glórias e venturas prometia a
Portugal, só desgraças nos acarretou, pois o príncipe D. João morreu logo a 2
de Janeiro de 1554, 18 dias antes do nascimento de seu filho D. Sebastião.
Depois da morte do “Desejado” na funesta Batalha de Alcácer Quibir em 1578, a
Coroa de Portugal passou em 1581 para Filipe II de Espanha, I de Portugal,
filho do Imperador Carlos V e de D. Isabel de Portugal.
Havia nesse tempo em Montemor-o-Novo uma mulher muito pobre e muito
virtuosa, chamada Maria Fernandes, à qual haviam também lançado o tributo de um
tostão, para as tais festas.
Indo os exactores a sua casa buscar o dinheiro, respondeu ela, que muito
desejava servir sua majestade, mas que não lhe era possível arranjar semelhante
quantia.
Os beleguins, sem
atenderem aos profundos suspiros e abundantes lágrimas da desgraçada, lhe
levaram a saia com que ia à missa.
Quando morreu o príncipe, teve a rainha D. Catarina de Áustria tão grande
mágoa, que esteve às portas da morte. A rainha teve dez filhos e filhas – D.
Afonso, D. Isabel, D. Brites, D. Manuel, D. Filipe, D. Dinis e D. António, que
todos morreram de pouca idade – D. Maria, que foi mulher de Filipe II de
Castela (pela qual veio a nossa desgraça), D. Duarte, que foi arcebispo de
Braga e prior-mor de Santa Cruz – e D. João, que é de quem se trata no texto, e
que não chegou a estar casado senão três meses. Na sua aflição, dizia ela:
“oito filhos me levaste, Senhor, agora este, que era a luz dos meus olhos, para
que mo arrebataste também? Que pecados tenho cometido contra Vós, meu Deus?”
O rei (que sabia a história do roubo da saia) lhe respondeu: - Senhora,
não vos queixes de Deus; não foi Ele que matou o nosso filho, foi a saia de
Maria Fernandes, de Montemor-o-Novo.
D. João III, que era eminentemente religioso, atribuía o castigo de Deus,
pelas vexações que consentira se praticassem, para o cumprimento dos seus
desejos de inútil ostentação, a morte prematura de seu filho.
Uma
benfeitora memorável
Faleceu no dia 6 de Março de 1945, a
Senhora D. Josefa Diniz Perdigão Bandinhas, de 75 anos de idade, abastada
proprietária.
Já por várias vezes – infelizmente
poucas – se tem registado o gesto altruísta de ricos montemorenses deixarem
avultados donativos às instituições de beneficência de Montemor-o-Novo.
Contudo, deixar “todos os seus bens”
avaliados nalgumas centenas de contos, às Casas de Caridade, é um caso de rara
benemerência, que, precisamente por isso, merece um relevo muito especial.
Pois foi esse acto de inexcedível
generosidade, aquele que a falecida D. Josefa Diniz Perdigão Bandinhas concebeu
em vida e se tornou público e definitivo, após a sua morte, pelo conhecimento
da disposição da sua última vontade, que se transcreve:
“Lego o usufruto das minhas
propriedades a meu marido; e por morte de meu marido, estes bens passarão à
posse definitiva das casas de beneficência que nessa ocasião existam na vila de
Montemor-o-Novo – Misericórdia, Asilo de Infância e Asilo de Mendicidade, ou
outras que se venham a fundar e que tenham vida regular e situação legal, e que
não se possa supor que se fundaram para comparticipação na herança.
Nomeio testamenteiros os provedores,
presidentes ou seus representantes, das mesas ou direcções das Casas de
Caridade a que couberem os bens imóveis”.
A acção da falecida Senhora, é das que
perduram na memória de todos aqueles que venham a auferir da sua muita
generosidade.
Todos, absolutamente todos, se
curvarão em sentida homenagem, perante a evocação da veneranda falecida, cujas
generosas intenções só muito raramente alguns têm adoptado, mas nenhum
certamente igualou.
Após a morte de seu marido, Nazareno
Joaquim Canelas Bandinhas, ocorrida
a 2 de Junho de 1986 a Santa Casa
da Misericórdia, o Abrigo dos Velhos Trabalhadores e o Lar dos Pequeninos
tomaram posse das herdades por ela doada - as Herdades dos Solteiros e da
Aldeia. Depois de um período de reflexão, resolveram vender as referidas
herdades, dividindo o dinheiro pelas três associações.
Pelo menos, uma instituição não
esqueceu esta nobre dávida. Na sequência da proposta que apresentei, a
Assembleia Geral do Abrigo dos Velhos Trabalhadores, uma das instituições beneficiadas
pela herança, homenageou a D. Josefa Diniz Perdigão Bandinhas, dando-lhe o seu
nome à sala polivalente, anexa aos novos treze apartamentos para casais.
Montemor-o-Novo/ Janeiro/2017
Augusto Mesquita
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