segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

LOCAIS QUE NÃO SE ESQUECEM

Quando há pouco tempo aqui nos debruçamos sobre as TABERNAS DO ALANDROAL, deixamos a sugestão de abordar também as Sociedades (Musica e Artística) que em tempos foram locais de encontro e convívio no Alandroal

Vamos então hoje recordar a: 

                                                 A SOCIEDADE ARTISTICA
Foi local que durante a minha “meninice”, nunca vi com “bons olhos”. E porquê? Enquanto os meninos da minha idade, lá podiam entrar, e mais tarde, com mais ou menos verdade, me relatavam os acontecimentos realizados naquele “snobe” local, a mim era-me pura e simplesmente negada a entrada. E porquê? Porque na altura, e quando da sua fundação, os “inteligentes” de então, “decretaram” que os associados só poderiam ser “artistas”, com profissão definida, funcionários públicos, ou então provenientes de “famílias”. Assim, eu filho de trabalhador rural, e de doméstica, não tinha acesso a tal espaço, enquanto outros que eram filhos de gente abastada, eram os “donos e senhores” da S.A.R.A.
Outros tempos, outras mentalidades, que mais tarde deram azo, à degradação da mesma, a tal ponto que acabou por pura e simplesmente por desaparecer.

Só já quando “homenzinho”, e após conclusão do ensino liceal, depois de muitas “cunhas” e empenho dos colegas fui admitido como sócio. 
Quem me havia a mim de dizer, que mais tarde iria desempenhar todos os cargos administrativos daquela colectividade, desde Presidente da Direcção, Conselho Fiscal, Assembleia-geral, e inclusive Contínuo dado que me vi  com a obrigação de abrir e fechar as portas, após a demissão da Direcção e do Contínuo na altura em que  o Presidente da Assembleia-geral...  era eu.

Situava-se a Sociedade Artística na Rua Brito Camacho sensivelmente ao meio da rua cuja fotografia via Google lhe mostramos. 
Funcionava em imóvel alugado pertença do Capitão Reis e constituído por muitas divisões. A entrada, não muito digna era de “pedrinhas de calçada” e ao lado funcionava uma ampla divisão que servia como sala de espectáculos onde alem de esporadicamente se exibir teatro, era o local onde semanalmente se projectava cinema durante os meses de Inverno, dado que no Verão o mesmo se transferia para os chamados Casarões, nos Arquizes, agora um bonito Parque Infantil. Uma escadaria em mármore levava-nos ao primeiro andar, onde à esquerda se situava uma pequena divisão pomposamente chamada de gabinete da direcção. Perdura na minha memória um quadro devidamente emoldurado com as fotografias dos fundadores da S.A.R.A. (onde terá ido parar?).
À direita um corredor levava-nos ao Bar, com extenso balcão por detrás do qual existia uma chaminé, com lume sempre acesso que alem de servir para a assadura das iguarias a consumir, fornecia as brasas para as braseiras destinadas às mesas de jogo ( póquer , lerpa, loba, montinho e raramente sueca ou manilha). Uma porta dava acesso à sala principal, onde se realizavam os bailes, e era por essa mesma porta onde os jovens entravam aos primeiros acordes da orquestra para solicitar a dança à donzela sentada e acompanhada pela mãe ao redor da referida sala. Entrava-se por essa porta e terminada a função saia-se por uma outra colocada ao cimo das escadas.
Mais tarde essa sala enchia-se diariamente para ao preço de 10 tostões se assistir aos programas transmitidos até à meia-noite pela televisão. Não foi a S.A.R.A. pioneira nesse negócio, pois a Sociedade da Musica tomou-lhe a dianteira.
Ainda no primeiro andar uma pequena divisão albergava um rádio onde os mais jovens se entretinham.
Ao lado uma sala mais ampla, servia como recanto para petiscar, e muitas vezes para grandes noites de jogo da lerpa.
A seguir a sala devidamente equipada com mesa própria e destinada apenas a jogadores de póquer.
Um lance de escadas levava-nos ao segundo andar onde mais duas salas de alguma dimensão, serviam em alturas de bailes para as famosas ceias ao intervalo, mas mais assiduamente para os fregueses menos abonados tentarem a sua sorte com as cartas.

Mas o certo é que nos anos sessenta e parte dos setenta, a Sociedade Artística foi um ponto de referência, na Vila do Alandroal. Era para aquele espaço que toda a juventude convergia. Enquanto “os mais velhos” “as batiam” na sala vedada a menores, em que o póquer ditava as leis,  nós jovens iamos tomando o primeiro contacto, com a realidade da vida. E enquanto o rádio nos debitava Beatles, Bee Gees, Carlos do Carmo, Simone, Madalena, Elis Regina, Aznavour, Becaud, ou o Artur Agostinho, nos relatava os golos do Eusébio, a postura do Coluna, os frangos do Costa Pereira, tecíamos as nossas conjecturas sobre o assassinato do Kennedy, a morte do Luther King, a violência da guerra nas colónias, e o que seria de nós quando chegasse a altura de “ir para a tropa”... O que eu não aprendi naquela mesa oval!
Mas...havia os bailes, no Ano Novo, na Páscoa, no Carnaval, o da Pinha e o do Natal. Salão sempre cheio, ao intervalo era servido o chá e as bolachas às Senhoras e os Cavalheiros era de bom-tom terem lugar reservado para a ceia. 
Também os torneios de bilhar, os jogos de damas...e então quando “os abonados”  resolviam jogar ao “tacho”, era grande a noite de “suspense”, com a assistência a vibrar quando algum jogador à beira de “rapar” tocava com a bola no pires já a abarrotar de moedas.
O 25 de Abril e as apregoadas “amplas liberdades”, que muitos confundiram com libertinagem, vinganças pessoais, impreparação democrática (mal que ainda hoje perdura), trouxeram a morte à Sociedade Artística. Está certo que o mal já vinha detrás, quando, por motivos óbvios se aboliu o conceito de descriminação em que os estatutos se baseavam, mas nessa altura ainda se mantinham o respeito, a boa apresentação e educação, coisa que se deixou de verificar, quando pela força, certas “forças”, tentaram pura e simplesmente “usurpar” o lugar.
E por aqui me fico...pois se desapareceu...não há nada a fazer.
Saudações Marroquinas
Chico Manel

5 comentários:

Hélder Salgado disse...

É curioso ... como este testo me fez recuar uns sessenta anos atrás, e uma só vez quando lá entrei. Reli o texto para verificar se na descrição do edifício constava uma janela de sacada com resguardo de ferro forjado que não encontrei.
A única ideia que me ficou da sociedade e nela ter entrado, foi ter conversado com o sr. José Galhardas, irmão da dona Antónia Galhardas, que recentemente se tinha reformado das Finanças e regressara ao Alandroal, cuja conversa decorrera na cita janela. A minha memória guardou a imagem do senhor com a intensidade suficiente para hoje o recordar, mas da conversa que tivemos não me recordo e, pela diferença de idades e de nos conhecermos nessa altura, penso que deveria quer saber quem eu era e a quem pertencia.
Surpreende-me os jogos, pois, aqui em Terena, na sociedade que também seguiu o caminho do desmantelamento, jogava-se ao jogo "do burro", a dinheiro.
Dela resta o pano de correr, em tela pintada a óleo, onde consta a fotografia do Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova, guardado na Junta de Freguesia.
Estas recordações são sempre bem vindas.
Um abraço.
Helder

Anónimo disse...



OBS.


Pois eu já estive aqui a ler com muito agrado a tua narrativa sobre a

SARA.

Está,claro que está, à altura das nossas memórias e quanto "às salas e aos

seus lugares topográficos" que vais enumerando e descreves,em cima e em

baixo, estão todos exactos e certos. Assim como certo está o cheiro do

lombo assado às três da manhã.

O que, passados todos estes anos, revela apesar de tudo alguma dose de

paixão,bastante nostalgia e um certo sentimento de perda de um tempo que

ardeu quase sem se ver.

Se me permites, Chico, falta contudo nesta tua lembrança, uma referência

humana a certas personagens que (no nosso tempo) foram marcando a vida da

SARA. Isto é, não podemos dissociá-la de jogadores de poker como um Janita

Roma, um Zé Luis, um Zé Mira, um Fitas, os Salomés, o Cardoso. E os

lavradores potentados financeiros que vinham jogar aos domingos à tarde

E saíam furibundos com os bolsos de fora das calças...

(Por mim, ainda me sentei na mesa verde. Comecei a ganhar sendo obvio para todos os jogadores que sairia dali completamente depenado a ter de pedir dinheiro emprestado para regressar a Lisboa).Assim foi!


Dito este aparte, o que ainda gostaria de ver assinalado na Rua Brito

Camacho, era uma placa alusiva à SARA numa de devolver aos

alandroalenses a recordação dos tais jogos e seres emblemáticos que ali

jogavam todas as noites ate altas horas da madrugada fazendo com que nós

os admirássemos por serem grandes jogadores,grandes companheiros. E

sobretudo serem uma marca que, naquele tempo, até ilustrava e dava

classe à noite da Vila e à importância da SARA apenas pagando uns baratos

cobrados cheios de fumo, hora a hora.

Lembras-te,Chico, quantas noites terás também pago o teu lerpudo

baratinho?

Arrisca e solta um número.O teu tio Zé Luís lá terá de dar mais uma

gargalhada.


Abraço forte


Antonio Neves Berbem

Anónimo disse...


Até que enfim, surgiu um comentário... HAJA DEUS! Não são sensíveis a este tipo de memórias..., pois claro, é óbvio...

francisco tátá disse...

Amigo Tó Zé obrigado por mais este "acrescento". Não foram esquecidos os da "batota", nos quais como muito bem dizes eu me acrescento como grnde "lerposo" que fui. Só não os citei porque temi ferir susceptilidades. Mas maior lacuna foi não ter citado os que a troco de habitação e parcos lucros nos aturavam por vezes até ao raiar da manhã. Aqui presto homenagem ao Pinóia, ao Mestre Zé Luis, ao Altinino, ao Lisboa e alguns outros que de momento não me acodem à memória.
Chico Manuel

Anónimo disse...

Textos cheios de um enorme saudosismo. É bom recordar outros tempos que eram tão diferentes.