segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

E O CHICO MANUEL RELEMBRA AS TABERNAS DO ALANDROAL

                                                                     AS TABERNAS

Nos anos 50/60, sem televisão, com cinema uma vez por semana, em que tão pouco se sonhava poder dar a volta ao mundo via internet, com um elevado índice de analfabetismo o que impossibilitava a leitura quer de jornais, quer de livros, poucos motivos se poderiam encontrar para uma permanência constante em casa.
Nunca deixou o homem de sentir a necessidade de confraternizar e ao mesmo tempo encontrar maneiras de procurar motivos de ao fim de um dia de trabalho desanuviar o espírito, não só no convívio com os amigos e colegas como em jogos que promovessem um salutar estreitar de relações entre os praticantes.
Local indicado para tal encontro: As tabernas, os cafés, as sociedades. Jogos mais praticados: as cartas (bisca, manilha, sueca), o jogo do xito, do bilhar e do snooker.
São precisamente os cafés e as tabernas do Alandroal o motivo das memórias de hoje.
Cafés existiam dois no Alandroal, ambos situados na Rua João de Deus, lado a lado. Eram proprietários dos mesmos o Ilídio e o Rato. Caracterizava o Café do Rato, o Central, (nome que ainda hoje perdura) a existência de um bilhar e a tradição do jogo de cartas.
Pelo preço de 4 tostões se bebia um café, de saco, no Café do Ilídio, cujo motivo de decoração consistia na pintura das paredes laterais com dois motivos alusivos ao nosso património: A fonte das Bicas, e a Capela de S. Sebastião. Com as devidas ressalvas, parece-me não fugir à verdade de aqui deixar o nome do pintor: um tal de Manuel Lopes, de Vila Viçosa.
Umas já desaparecidas, outras devidamente adaptadas, outras, agora com diferente serventia, coisa que não faltava no Alandroal eram Tabernas.
Correndo o risco de alguma me falhar, aqui vos deixo um breve resumo não só das tabernas do Alandroal do meu tempo, como das suas características, e algo sobre os seus proprietários.
Na parte baixa da Vila, frente à Fonte do Botão localizava-se a taberna do António Manuel Torcato (desaparecida), com o balcão ao fundo, depois de se descerem alguns degraus, tinha de lado dois bancos corridos onde os assistentes aplaudiam as renhidas partidas de chito (ou será xito?). Durante anos um cão perdigueiro cumpriu a missão de sempre à hora certa transportar um cesta com o almoço da sua residência na Praça até ao fundo da Vila, não se constando que alguma vez se tenha desviado do seu trajecto ou sequer entornado a sopa. Mais tarde após o fecho desta o António Manuel Torcato abriu uma outra na Praça, ao lado da sua residência, e cuja principal atracção era uma espécie de snooker, mesa pequena no meio da qual se encontravam uns “pins” com borrachas que em contacto com a bola devidamente “tacada”, se pretendia meter a mesmo nos buracos existentes nos cantos da mesa. Desconheço o nome de tal “engenhoca” e nunca mais vi apetrecho igual.
“O Lica” foi talvez uma das tabernas mais típicas do Alandroal e que manteve até 1995 a sua traça inicial, resistindo sempre a qualquer modernice que a pudesse desvirtuar. Com porta corrida, tipo far west, tinha chão de alcatrão, com bancos laterais. Lá estava sempre pronto o ladrilho, ou lasca de xito, onde se armava a cápsula de bala vazia e que os vinténs haviam ou não de derrubar, ao som de palavras como “ervido”, “revido”. “retentino”. Possuía ainda a “tasca” do Lica um amplo reservado com acesso por detrás do balcão, ladeado por umas dezenas de talhas, onde por vezes se fabricava a “pomada”, e com acesso restrito. Foram várias as tentativas para reabrir esse local, Umas vezes com mais sucesso, outras com menos, mas talvez porque o Lica não deixou o segredo da fritura das seus famosas pataniscas de mogango, nunca chegou a atingir a fama da Taberna do Lica.
Já mais acima, na Rua do Pinheiro, sediava-se a não menos famosa Taberna do Domingos, ou do Cachamela.
Local obrigatório, para passar um bom bocado, motivado pela simpatia do proprietário, pela sua conversa fluente, pelos seus dotes musicais, pelas histórias saídas da sua fértil imaginação, fazia com que o tempo ali passado fosse sempre dado por bem empregado.
Era petisco frequente, passarinhos fritos, que o Domingos adquiria à miudagem muitas vezes a troco de rebuçados das rifas de cromos da bola. Petiscos modestos, como carne cozida, orelha e porco e o célebre toucinho cozido, propositadamente com travo a bolor e que segundo o mesmo não havia presunto que se lhe comparasse. Presentemente e após modernas modificações lá se encontra o Restaurante a Chaminé.
Aproveitando a paragem das camionetas da “carreira”, nesse mesmo Largo se sediavam três tabernas: O Piçarra, O Manuel Canhoto, o Sofrino.
A taberna do Piçarra, era sempre a primeira a abrir. Antes das seis da manhã, pois na mesma se faziam os “despachos” de produtos e encomendas que eram transportados pela camioneta da carreira com passagem diária precisamente às seis.
Não admira assim que muitas vezes em “noitadas” se aguardasse a abertura para um reconfortante chocolate ou cacau quente antes da deita.
Taberna de dimensões exíguas, com soalho de madeira e quatro mesas normalmente atafulhadas de encomendas prontas a seguir na camioneta.
Após o balcão e por corredor estreito dava-se acesso a um reservado.
Famoso e convidativo a um bom copo era o seu peixe do rio frito. Ainda hoje quando se fala em tal especialidade o nome do Piçarra é sempre lembrado.
Mantendo as características daquele tempo ainda hoje podemos visitar o local agora com gerência e nome da Taberna da Maria Vicência
O Manuel Canhoto, taberna com duas divisões e vocacionada para excelentes petiscos, onde no tempo de caça não faltavam as espécies superiormente confecionadas à base do coelho, da lebre ou da perdiz, alem da sempre apetitosa carne de porco frita.
Um dos principais chamarizes do Manuel Canhoto, e que muitos fregueses atraía: Quem consumisse um “penalti” (copo de vinho avantajado) tinha direito a uma “económica” (prato de sopa de legumes).
Mais tarde o proprietário foi o Manuel Varandas e presentemente a mesma deu lugar a estabelecimentos de venda de produtos de pesca, indústria de carnes, e mini mercado com gestão dos seus filhos.
Com soalho em cimento, balcão lateral e mesas encontrávamos a taberna do Sofrino.
Para petiscar uns bons passarinhos, comer umas postas de pescada frita era imprescindível uma visita ao Sofrino.
Com um negócio de madeiras em local que funcionava ao lado, o pouco tempo que lhe sobrava entre aturar fregueses e o comércio das madeiras passava-o Mestre Sofrino a caçar passarinhos, por essas hortas fora (foi talvez o melhor atirador de pressão de ar do Alandroal) que depois vendia na taberna. Curioso que quando a Autoridade exerceu uma maior vigilância na venda de passarinhos, Mestre Sofrino, acautelou o pedido comunicando aos fregueses mais fieis que nunca pedissem passarinhos, mas sim cação frito e tinha sempre um pratinho do referido peixe pronto a substituir as aves ao menor sinal de perigo.
Da sua existência já nada resta que a faça recordar.
Não podemos deixar de incluir neste roteiro uma das tabernas mais pequenas do Alandroal, à semelhança do seu dono, situada em plena Praça da Republica, mesmo ao alto, um balcão assinalava uma tasca.
Se não querias beber apenas o copo de vinho o melhor era vires prevenido com qualquer bucha, pois Pimenta não era lá muito dado a cozinhar fosse o que fosse.
Aliás, era do conhecimento de todos que o principal freguês era o proprietário.
Deapareceu.
Ainda na Praça, mas mesmo ao fundo encontrava-se talvez o único quiosque do Alandroal, A barraca do Torcatinho. Vocacionada para os frequentadores matinais de então mercado da Praça, no mesmo se serviam bolos de alguidar, bolos fintos, fritos no tempo dos mesmos, acompanhados pelo bagacinho, ginjinha ou traçadinho. Muito amigo de pregar partidas (algumas delas ainda hoje recordadas no Alandroal), o trato fácil e folgazão do Torcatinho chegava a conseguir que o freguês ali passasse uma manhã inteira.
A barraca do Torcatinho morreu na Horta do Góis, no entanto alguém se lembrou de lhe prestar a devida homenagem colocando uma bem mais moderna em frente onde a mesma existiu.
Duas outras tabernas recordo. Mas estas, talvez por menos ter frequentado, pouco posso adiantar. Em tempos mais remotos a taberna do “Escuta”, mais tarde do Gentil, situada onde presentemente está o Choupal do Zé do Alto e que posteriormente se sediou na Praça no local onde foi a Barbearia do Barradas.
Já na antiga Rua Mestre de Aviz, actual Rua Dr Xavier Rodrigues, situava-se uma das maiores tabernas do Alandroal.
A taberna do Eduardo.
Alem dos bancos laterais, existia uma mesa quadrada por detrás da porta de entrada, destinada apenas para o jogo das cartas. Jogos de “manilha” e de “bisca”, disputados por grandes jogadores o que fazia com que muitas vezes fossem acompanhados por numerosa assistência.
Da qualidade do que ali se comia apenas ter presente que o Eduardo também se dedicava à matança e arranjo das carnes de porco e respectivos enchidos, pelo que se pode avaliar o que seria, no reservado por detrás do balcão, degustar um bom lombo assado na brasa, uma cacholeira, farinheira ou linguiça assada.
Mais tarde, esse mesmo espaço conheceu novo proprietário, Manuel Melão, que seguiu exactamente as mesmas pegadas do antecessor. Ainda hoje recordo com muita saudade as inúmeras confraternizações na taberna do Melão, onde o sabor do lombo assado, da carne frita e afins convidavam a prolongados serões.
Presentemente ali está a cargo do seu filho Manuel o Café Arco- Íris
Subindo a Rua de Santo António encontrávamos a taberna do Zé Canhoto.
Espaçosa, de um asseio irrepreensível, com vinho de fabrico próprio, e com excelentes manjares, pois alem de taberna exercia ainda as funções de pensão com dormidas e refeições.
Para tal muito contribuía o arranjo e preparação de carnes de porco e a excelência da cozinha praticada.
Posteriormente foi proprietário da mesma o Manuel Honrado, que dado ter iniciado tal oficio já bastante tarde, nunca conseguiu atingir a fama do seu antecessor.
Por último e frente à Igreja de Santo António também com espaço reduzido, e com banco corrido frente ao balcão, exercia a profissão o Zeca – taberna do Zeca.
Aproveitando a proximidade da Escola Primária estava mais vocacionada para a venda de guloseimas (rebuçados, chupa-chupas) e venda de rifas da bola.
Após o falecimento do proprietário também nunca mais abriu.
Ainda para os mais noctívagos não podemos deixar de aqui referir as Sociedades, Artística e da Musica, onde também principalmente à noite era ponto obrigatório de convívio, jogos (e que jogos), e de muitos comes e bebes,
Ambas tiveram uma morte inglória, mas na mente de muitos nós nunca serão esquecidas.
Qualquer dia iremos recordá-las.

Chico Manuel


2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado Francisco Manuel por nos dar a conhecer estes "pedaços" da história do Alandroal.
Bom Ano

Antonio Jeremias

Hélder Salgado disse...

Os dois textos anteriores sobre as tabernas fizeram-me recuar até 2011, reviver algo que escrevera sobre as mesmas, no Al Tejo (O último taberneiro). Todos os textos revelam uma preocupação comum - O DESAPARECIMENTO DAS MESMAS -
Sou, cerebralmente, forçado a recordar uma em Reguengos de Monsaraz, que se situava ao pé do mercado e hoje é um estabelecimento de chineses. Tinha, a taberna, o balcão ao fundo, e para se entrar na sala descíamos três degraus, de ambos os lados havia talhas. Impressionou-me toda aquela harmoniosa disposição e quando dei com o seu desaparecimento senti uma enorme tristeza e interroguei-me, como hoje, dia 02-01-2017, às 23H42M, ao ler os duas cronicas, me voltei a interrogar.
Quando é que estes governantes( se é que o são) terão a capacidade cultural que lhe dê a visão necessária para manter os elementos que fazem a história do nosso País, aqui As Tabernas e a sua ligação à fabricação artesanal do vinho.
Hélder Salgado