terça-feira, 25 de outubro de 2016

CRÓNICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM

                                Reality show(s)?

Terça, 25 Outubro 2016
Na semana que passou marcou-me a perseguição policial “à filme” no mundo rural português.
Mas também certas intervenções de quem por obrigação profere opinião em público através da apreciação de um dos documentos mais labiríntico que deve haver na administração pública, inflamando o que, se se concretizassem boatos, podia ter sido um descalabro mas afinal não foi. Às palavras da ministra Francisca Van Dunem fui buscar o mote para esta crónica que fala de realidade e de show e do que acontece quando as duas palavras se juntam.
reality-show é um género televisivo que vai buscar partes à informação e ao entretenimento, ao drama e ao documentário, à ficção e à realidade. O termo, aplicou-o a senhora ministra ao que não devia ser a forma como está a ser tratado o caso da “fuga de Pedro Dias”, já que o conceito se estendeu e, actualmente, parece tornar-se metáfora de tudo o que tendo a ver com a realidade não deixa de ser apresentado como um espectáculo de entretenimento. No fundo, na metaforização do conceito passa-se um pouco o inverso do que acontece efectivamente num reality-show, onde se cria a ilusão de o espectador participar mesmo e não ficar apenas de fora passivamente. No uso metafórico, é quando o que é mostrado do domínio do privado ou do restrito é como se fosse público e servisse para assistirmos de camarote, testemunhas não participantes.
O sucesso de audiências dos reality-show será também consequência do facto de o cidadão anónimo se ver retratado no ecrã da televisão onde, até há um par de décadas pelo menos, só apareciam especialistas, políticos ou celebridades. É que o que atrai neste tipo de programa de televisão é a imagem de uma autenticidade e genuinidade, em que os que ocupam o ecrã sejam eles próprios e ganhem a simpatia dos que do outro lado com eles se identifiquem e até possam, em alguns casos, interferir no próprio programa. Este é um modelo em que outros, como os de opinião pública, vão buscar por vezes inspiração, com a participação em antena chamada aberta. No fundo, os reality-show são um elogio da banalidade.
Se devidamente classificados e confinados a determinados horários ou canais de televisão, não nos sentimos apanhados por este tipo de programa se com ele nos cruzarmos. Triste é quando os assuntos que merecem discussão séria – e um orçamento é-o para os partidos e para as instituições e indivíduos, tal como a justiça na morte de homem tem de ser para uma sociedade civilizada – são tratados por gente que o devia entender assim mesmo, como assunto sério, se de um reality-show se tratasse.
Não falo dos comentários em redes sociais, que ainda valem o que valem. Falo de declarações de gente eleita ou escolhida para esclarecer cidadãos, com conhecimento privilegiado que deveria ter, em assuntos sérios e que afinal entra na mesma onda de uma popular genuinidade que não o é realmente. Este estilo reality-show, a estender-se a outros campos que não o da TV entretenimento, vem afinal confirmar que as estatísticas, os comentários, as análises e as entrevistas não chegam para se explicar o mundo em que vivemos e usa-se esta espécie de proximidade por cabo ou TDT para apregoar a vida e as emoções das pessoas, as desilusões e as ambições, partilhando sentimentos sobre assuntos sérios como se de raciocínios em rascunho se tratassem e tentando entrar, de forma popularucha, nessas “comunidades de compaixão” que são os telespectadores de reality-shows. Não sei o que será pior: se um reality-show se o show da realidade de alguns responsáveis por esclarecer a opinião pública? Não fosse o interesse nacional ridiculamente colado numa outra metáfora, e estava quase a pedir que viesse o diabo escolher… Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira


Sem comentários: