quarta-feira, 24 de agosto de 2016

VASCULHAR O PASSADO

– Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de                                                                                       outros tempos

                                            comemora 40 anos
 Ao longo da história da humanidade, foram diversas as atitudes assumidas pela sociedade e por outros grupos sociais, para com as pessoas com deficiência. Elas sofrem descriminação desde os tempos remotos, e toda a sua trajectória foi orientada para a exclusão.
                O calvário dos deficientes e dos seus familiares foi-se arrastando no tempo, até que, surgiu uma luz ao fundo túnel – a Carta das Nações Unidas, assinada por cinquenta países, em 26 de Junho de 1945.
            A não aceitação por parte de Portugal das obrigações constantes na carta, não permitiu a sua adesão à ONU. Em resposta, Oliveira Salazar fazia luxo em afirmar que, “estamos orgulhosamente sós”.
            Foi necessário esperar mais de uma década, para que Portugal fosse admitido como membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas. Mas, hipocritamente, Salazar violou persistentemente os princípios contidos na carta, que ele livremente aceitou.
            Para não falar somente dos direitos iguais, da autodeterminação dos povos, da promoção do progresso social, e melhores padrões de vida, em cenário de maior liberdade, a ditadura fechou os olhos à triste realidade, de existirem meninos tratados como “coitadinhos”. E, enquanto outros meninos no seu dia a dia, rumavam à Escola feita só para eles, os tais meninos “coitadinhos”, ficavam no seu canto, à espera da oportunidade de também eles, terem uma sacola, uma pedra com a peninha amarrada, um professor e… uma escola.       
            Porque o Estado não criou as condições necessárias para que o ensino recebesse crianças com deficiência intelectual, cabia simplesmente aos pais carregarem com essa enorme responsabilidade. Por falta de alternativas, a maioria destas crianças viviam fechadas em casa, “escondidas da sociedade”, logo, sem grandes perspectivas de recuperação.
            Somente após a Revolução dos Cravos é que houve, de facto, uma maior mobilização para tratar do atendimento, e procurar soluções mais plausíveis, com vista à protecção, e à efectiva inserção, da pessoa com deficiência na sociedade.
            Foi neste cenário, que nasceu em Lisboa no dia 16 de Julho de 1975 a primeira Cerci - Cooperativa de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas a quem foi posto o nome de Cerci Lisboa (actualmente, existem no nosso País 52 Cercis).
            Alguns elementos fundadores desta cooperativa, percorreram o país de lés a lés, sensibilizando e estimulando outros pais e outros técnicos, a unirem-se e a criarem as suas próprias Cercis. Fruto dos contactos realizados na Vila Notável, um grupo de pais de crianças com deficiência intelectual, apoiados por técnicos da área da saúde e do ensino, e ainda, por pessoas amigas, conseguiram o milagre, de num curto espaço de tempo, preencherem uma lacuna na educação e reabilitação das crianças inadaptadas no nosso concelho, ao fundarem no dia 4 de Agosto de 1976 a Cercimor – Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas de Montemor-o-Novo, CRL. Foram seus fundadores, o Dr. Alfredo Heliodoro dos Santos, António Joaquim Soeiro Reis, José Manuel Carvalheira Vitorino, Álvaro Joaquim Fialho Valadas, Laura Rosa Vidigal Vitorino, Fernando Emílio Correia Moscatel, Josefa Antónia Nunes Valadas, Maria Veridiana Carvalho Tavares Catatão, Maria Júlia Mourato Santana Moscatel e o Dr. José António Ferro Saraiva.
Início das actividades
 O início das ambicionadas aulas para crianças com deficiência intelectual, ocorridas em Outubro de 1976, foi o concretizar de um velho sonho, principalmente para os pais das referidas crianças.
            A funcionar desde a data da fundação, no Terreiro de S. João de Deus, no majestoso edifício cedido pelo Dr. Alfredo Maria Praça Cunhal, a Cercimor tem vindo, a apoiar crianças, primeiro no concelho de Montemor-o-Novo, e depois nos concelhos de Arraiolos, Mora e Vendas Novas, onde actualmente existe um pólo.
            No início da sua actividade, o trabalho das CERCI’s era fundamentalmente dirigido à população em idade escolar e consistia no apoio a necessidades educativas especiais.
            Em Dezembro de 1988 foi criado dentro da Cercimor, o Centro de Apoio Ocupacional (CAO). Este centro dá apoio a alunos com mais de 16 anos, mongolóides e deficientes mentais ligeiros, aos quais se pretende manter a autonomia pessoal, reforçando as actividades da vida diária do aluno. Fruto desta situação a Cooperativa passou a chamar-se Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Montemor-o-Novo, CRL.
            A Cercimor funciona em regime de semi-internato, o que obriga a fornecer aos alunos o pequeno-almoço, almoço e lanche. A deslocação dos educandos para a escola é feita através de viaturas da própria Cooperativa e da Rodoviária.
            Com a extinção em 2008 do Gabinete de Apoio Técnico que funcionava num edifício situado no Largo General Humberto Delgado nesta cidade, o prédio ficou devoluto. Parte do edifício, propriedade dos municípios de Arraiolos, Montemor-o-Novo, Mora e Vendas Novas, foi cedido sem custos à Cercimor.
                                                                       Novas instalações
 Construídas num terreno situado na Crespa da Figueira, a um quilómetro da cidade, as instalações, orçadas em cem mil contos, foram totalmente financiadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, estando essencialmente vocacionadas para a Formação Profissional. Esta questão trouxe um enorme problema à Cercimor, pois o IEFP não autorizou a utilização das novas instalações pelas crianças até aos 14 anos, por não estarem vocacionadas ainda para a formação profissional. Perante esta situação, a Cercimor viu-se forçada a construir, à parte das novas instalações, um novo bloco escolar.
            Sem qualquer inauguração oficial (porquê esta opção?), em Outubro de 1990, tiveram início as actividades na Crespa da Figueira.
                                                               Quando os pais morrerem?
 Onde, e com quem vão morar, quando eu morrer?
  Esta interrogação permaneceu anos e anos nos pensamentos dos pais, até que, graças ao empenhamento da Direcção da Cercimor (já antes, a Associação 29 de Abril instalara dois Lares Residenciais com capacidade para 22 utentes), surgiu o Lar Residencial “Construir Sorrisos”, inaugurado oficialmente no dia 12 de Fevereiro do corrente ano.
            A Cercimor efectuou um investimento global de 738 490,15 €, tendo conseguido um financiamento do INALENTEJO no valor de 500 996,31 €. O Município montemorense concedeu um apoio financeiro até ao montante máximo de 221 783,61 €, correspondente a 30% do valor candidatado e não coberto por outras entidades.
                                                                                 Valências
Após a cerimónia do descerramento da placa, numa visita guiada pelo utente Florêncio, que se encontrava orgulhoso pelo concretizar de mais uma valência, os convidados visitaram o lar. Seguiu-se um lanche e música a cargo do “Ofício das Artes”.
             O espaço alberga 18 pessoas com deficiência e tem como conceito chave, “a inclusão”. Como sucede em todos os lares semelhantes, este, já dispõe de uma lista de espera com 60 pretendentes.
            Nos quatro concelhos já referidos, a Cercimor presta apoio a cerca de 500 utentes (recuso-me a aplicar a palavra “clientes” (imposta em 2009 pelo Ministério da Solidariedade Social dirigido pela Ministra Helena André), e possui 54 trabalhadores efectivos (igualmente, recuso-me a aplicar a palavra “colaboradores”, também imposta). Em vez de se preocuparem com a mudança de sinónimos que nada resolve, as instituições agradeciam mais cooperação…
            Nas instalações do Largo General Humberto Delgado, funciona o Centro de Apoio Ocupacional - CAO. Na Crespa da Figueira, funciona o Centro de Formação Profissional - CFP (este ano, o atraso no financiamento por via dos fundos comunitários, obrigou a Cerci a recorrer a financiamento bancário durante alguns meses!!!), a Intervenção Precoce na Infância - IPI, a Componente de Apoio à Família - CAF, o serviço de jardinagem denominado Arte e Ofícios, e o Lar Residencial.
            O orçamento para o corrente ano é de 1 950 000,00 €. Para fazer face a este montante, a Cerci conta com o Acordo de Cooperação com a Segurança Social, com o financiamento por via dos fundos comunitários para a formação profissional, da ARS para a Intervenção Precoce, com as mensalidades pagas pelos utentes, com os subsídios atribuídos pelos quatro municípios, pelas Juntas de Freguesia, de ofertas de empresários e de particulares amigos da instituição, da campanha “Pirilampo Mágico”, do magusto efectuado pelo São Martinho, dos arraiais realizados pelos Santos Populares, e da quotização dos cerca de 280 associados da Cerci.
                                                    Ainda, há muito trabalho a fazer
 Em quarenta e dois anos de democracia, muito foi feito na área social, mas ainda, há muito trabalho a fazer.
 O Programa de Apoio a Pessoas com Deficiência da GNR “sinalizou” em apenas nove meses, entre Janeiro e Setembro do ano transacto, 5 746 deficientes sem apoio próximo. Entre estes há 3 126 que vivem sozinhos, 317 estão em situação de isolamento e 481 além de viverem isolados, também vivem sozinhos. Foram ainda detectadas 1 822 pessoas que a GNR considera que se encontram numa posição de fragilidade por outras situações, quase sempre fruto da limitação física ou psicológica.
            Nestes quarenta anos de existência, a Cercimor tem colaborado e de que maneira, com a pessoa deficiente, conseguindo em grande parte, integra-la na sociedade, na mesma sociedade, que há uns anos atrás a rejeitava. Por isso, parabéns à CERCIMOR!

Augusto Mesquita
Agosto/2016

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