quarta-feira, 6 de abril de 2016

MEMÓRIAS CURTAS - Prof. Vitor Guita

Uma vez por mês o Prof,. Vitor Guita traz-nos à memória, recordações do passado.

No preciso mês em que se assinalam os 250 anos do nascimento de Belchior Curvo Semedo, não quisemos deixar de nos pronunciar, mais uma vez, acerca do vate montemorense.
Em Janeiro, falámos de alguns aspectos da sua biografia e, em Fevereiro, tentámos fazer um retrato, ainda que breve, da época em que o poeta viveu.
Porém, mais do que falar acerca da vida de um escritor e do seu tempo, a melhor forma de lhe prestar tributo é ler as suas palavras ou, pelo menos, ajudar a divulgar Aa sua produção literária.
Belmiro Curvo Semedo, de nome arcádico (Belmiro Transtagano), foi um dos sócios fundadores, em 1790, da Academia das Belas Letras, também chamada Nova Arcádia.
Além de Semedo, fizeram parte do grupo inicial: Domingos Caldas Barbosa (Lereno Celinuntino), Joaquim Severino Ferraz de Campos (Alcino Lisbonense), Francisco J. Binagre (Francélio Vouguense).
Na Nova Arcádia ingressaram outros conhecidos homens de letras desse período, como Manuel Maria Barbosa du Bocage (Elmano Sadino), José Agostinho de Macêdo (Elmiro Tagídeo) e outros.
À semelhança do que acontecera com a Arcádia Lusitana, criada em 1756 e apostada no cultivo da poesia e da oratória, a nova agremiação incluía nas suas actividades a apresentação e apreciação dos trabalhos literários dos seus membros, segundo os moldes neoclássicos.
Inicialmente, as tertúlias realizaram-se no palácio do Conde de Pombeiro, onde se hospedava o mulato Caldas Barbosa (Lereno), que tinha por hábito acompanhar-se à viola e de quem o Conde era admirador. Por esta razão e por acontecerem regularmente às quartas-feiras, estas sessões passaram a chamar-se “quartas-feiras de Lereno”. Por vezes os poetas reuniam-se em salões da nobreza para glosar os motes que lhes eram propostos ou para festejar efemérides da vida cortesã. Alguns deles eram também frequentadores assíduos de cafés e botequins, como foi o caso de Bocage.
Interessado em controlar a actividade cultural dos novos árcades, mantendo-os afastados das ideias revolucionárias vindas sobretudo de França, o Intendente Pina Manique ofereceu-lhes protecção, cedendo-lhes um espaço no Castelo de S. Jorge.
Certos formalismos e o conservadorismo da Academia, bem como os sistemáticos elogios dos poemas ali recitados desagradavam profundamente a Bocage, que não demorou a romper com a instituição.
Alguns dos seus versos, desferidos contra toda a Academia ou contra alguns poetas em particular provocaram grande escândalo e uma acesa luta verbal entre os árcades.
Curvo Semedo foi um dos alvos das críticas de Bocage. Este apelidava aquele de “memorião que engole dicionários” de “autor de bagatelas”, de “vão Belmiro” ou ede “de poeta do rei de Lilipute”.
Por sua vez, Semedo respondia, disparando insultuosos versos contra o seu rival, acusando-o, entre outras coisas, de grande imodéstia
                                           Mas hoje, para ser poeta insigne,
                                           Basta dizer: componho ínclitos versos
                                           E, depois de vestir com falsas cores
                                           Hipérbole ou antítese rançosa.
                                           Exclamar: Isto é meu! Isto não morre!
Apesar de tão exacerbada contenda, quando Bocage se aproximava da morte, um sentimento de culpa desencadeou neste a vontade de se reconciliar com os seus adversários, nomeadamente com o poeta montemorense:
                                        Musa de Elmano e Musa de Belmiro,
                                         Una-se a glória sua à glória minha;
                                         Meu nome aguarentou com voz mesquinha,
                                         Eu justo ao seu não fui, e a sê-lo aspiro.
Curvo Semedo recebeu vários e rasgados elogios de alguns dos seus confrades, como atestam os versos de José Agostinho de Macedo:
Belmiro, Honra de Marte, Amor das Musas,
A quem bafeja Febo, a quem socorre
Com tanta cópia aceso Entusiasmo,
Quando deve surgir nos Céus o dia,
Em que a Fama Justíssima te conta
No número de Vates, e em que possas
Já seguro viver na Eternidade?
Teus sinceros amigos te preparam,
E já t´enastram merecidos louros;
Mas tu mereces mais, que outros prémios:
Os teus sonoros versos já são dignos
De não menor teatro qu´Univeso,
E teus grandes aplausos se não devem
Fechar em menos âmbito que o Mundo.
A Nova Arcádia teve uma existência curta. Em 1794, a agremiação desfez-se devido a invejas e conflitos pessoais entre alguns dos seus membros. Da sua actividade resultou a publicação, em quatro partes, de o Almanaque das Musas, onde constam poesias de Curvo Semedo e trabalhos de outros árcades.
A produção literária de Curvo Semedo está reunida em quatro volumes, intitulados Composições Poéticas. Os dois primeiros volumes surgiram em 1803. Mais tarde, em 1817, foi publicado o terceiro volume. O quarto volume, impresso em 1835, já não foi revisto e corrigido pelo poeta, profundamente debilitado nas suas faculdades intelectuais. Este volume constitui, de facto o quinto das Composições de Curvo Semedo, se nelas incluirmos a Tradução Livre das Melhores Fábulas de La Fontaine, publicada em 1820.
O árcade montemorense cultivou um grande número de géneros, revelando uma apreciável versatilidade poética. Pertence-lhe um número considerável de sonetos, ditirambos, idílios, madrigais, odes, canções, epigramas, apólogos, enigmas. 
Porém, foi como fabulista que se notabilizou, designadamente com a popular história de o Velho, o Rapaz e o Burro.
Semedo celebrou várias efemérides e fez panegírico de diversas figuras históricas, especialmente através de sonetos e ditirambos, onde revelou uma profunda erudição e um forte apego aos princípios doutrinários que inspiraram o movimento arcádico: a imitação dos antigos, mas fazendo seu o que imitou: a preocupação com o deleite poético, mas atendendo a uma maior verosimilhança e utilidade dos seus versos; o encarar a poesia como filosofia moral, destinada a combater os vícios da sociedade; o domínio das mais variadas áreas do saber, a par do zelo pelos aspectos formais.
Se considerarmos que se estava numa fase de transição do neoclassicismo  para o romantismo, Curvo Semedo manteve uma propensão mais conservadora e neoclássica , enquanto Bocage, com a frequente exaltação da liberdade, a condenação do despotismo, a recorrência a temas como a noite, a morte e os sentimentos exacerbados, revelou uma sensibilidade pré-romântica.
Estilos e ideologias á parte, Belchior Manuel Curvo Semedo (Belmiro Transtagano) tem um lugar na galeria dos autores portugueses, especialmente como fabulista, tendo alguns dos seus trabalhos sido premiados pela Academia Real das Ciências ou sido incluídos no Parnaso Lusitano.
Vitor Guita
In “Montemorense” Edição de Março 2016. Autorizada transcrição pelo Autor.



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