terça-feira, 26 de abril de 2016

LUGAR À CULTURA

    Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                               A Cultura e a Cidadania
 «A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos».
 António Lobo Antunes

Constitui uma constatação inquestionável, o princípio de que o homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela é capaz de desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao máximo em proveito dele e dos outros.
A educação exerce-se, como que automaticamente, durante toda a vida, só com a diferença de que, na idade adulta, o homem confia a si mesmo a missão do seu próprio educador, ao passo que, na idade infantil, precisa dum guia, que é conjuntamente a família e o mestre.
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e conjugado das forças individuais, por seu turno desenvolvidas, em toda a sua plenitude. E só se pode fazer progredir e desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua, incessante e persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico, intelectual e moral.
Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias, e, por mais alto que se afirme a sua consciência colectiva, Portugal só pode ser forte e altivo no dia em que, por todos  os pontos do seu território, pulule uma colmeia humana, laboriosa e pacífica, no equilíbrio conjugado da força dos seus músculos, da seiva do seu cérebro e dos preceitos da sua moral.
A educação concorrerá ou não para o desenvolvimento humano, consoante fomente o reconhecimento de que o destino de cada homem é solidário com o dos outros homens, ou gere cidadãos para quem a razão de existir esteja na conquista de proveito próprio, indiferente à situação dos outros ou mesmo à custa destes. Consoante promova um sentido de “nacionalidade” estreito e isolacionista ou saiba conciliar a solidariedade no âmbito de uma comunidade nacional com a solidariedade entre os povos, entre os membros da comunidade internacional, e seja capaz de suscitar a mudança de atitudes egocêntricas como esta a que se refere Vittachi: «Quando Henry Labouisse, dirigente da UNICEF, nos previne de que pelo menos 400 milhões de crianças estão ameaçadas de fome e declara um “estado de emergência”, nós desligamos os nossos corações e viramos a página do jornal para os anúncios dos cinemas. Essas crianças são dos outros».
A educação contribuirá para o desenvolvimento na medida em que souber gerar nos cidadãos uma capacidade crítica que os habilite a resistir à demagogia e à manipulação e concorra para dignificar a função que cabe à crítica nas sociedades democráticas.
O sistema de ensino será ou não um instrumento de equidade consoante ofereça possibilidades reais  de acesso generalizado ou conduza a um processo educativo selectivo que consolide ou acentue as desigualdades sociais e regionais. É que, tal como ocorre com o Produto Nacional Bruto, também no sistema educativo existem a pobreza absoluta (“analfabetismo”), a concentração de riqueza (educação “elitista”), supostos automatismos distributivos que não se verificam na prática (gratuitidade e obrigatoriedade de certos graus de ensino, visando a universalidade que se não atinge, porque as crianças contribuem, com o seu trabalho, para as respectivas  (débeis) economias familiares, ou porque a baixa situação sócio-económica das famílias compromete o rendimento escolar, por exemplo). Aliás, de um modo geral, os pobres do P. N. B. e os pobres do sistema educativo são os mesmos. Raul Gomes (in “Educação e Humanismo”) leva-nos a concluir que  -  na formação humanista integral da pessoa  -  há que passar pela educação, «não pela educação de inspiração clássica, baseada na separação entre as actividades manuais e intelectuais, e na distinção social entre classes dirigentes e classes auxiliares, mas por um novo tipo de educação baseado na associação íntima entre a mão e o cérebro, entre a prática e a teoria científica, e mediante a qual todos os homens possam receber a formação necessária à plena realização das suas capacidades e aspirações, dentro, evidentemente, dos limites impostos por uma estrutura económica baseada na justiça social».
Por sua vez, João Morais Barbosa (in “Educação e Liberdade”) regista com certa apreensão: «Quem se não limite a embarcar no tempo que agora corre, antes se demore a sobre ele reflectir, encontrará motivos de preocupação toldando-lhe o horizonte. Porque o homem contemporâneo parece apostado em destruir-se. Não desejo referir o tão estafado caso das armas nucleares, das guerras sempre possíveis. Penso na tristeza de um homem que, no cimo paradoxal do seu orgulho, persiste em rebaixar-se ao nível da besta... Não é só  -  e muito seria já  -  o desregramento na vida, o desprezo das normas morais, é toda uma literatura e todo um pensamento filosófico-científico, que se comprazem em diminuir o humano do homem, em fazê-lo «perder o complexo de superioridade diante dos animais... Surge uma ética “nova” em busca de um homem “novo”, o homem libertado das correias da escravidão moral e do espírito. As metas a atingir já não estão além, mas aquém do homem. O homem tem de destruir o homem: é este o imperativo “científico” dos tempos que hoje nos damos a viver». Porém, quanto a nós, esta degradação moral em que as sociedades actuais foram (e estão) a ser lançadas (mercê de uma defeituosa aculturação, com a cumplicidade economicista de alguns meios de comunicação social, e de um incompleto sistema de ensino e de cultura) poderão ser enfrentadas (e debeladas) por acções de campanha dos Sindicatos e Partidos de horizontes progressistas  -  ao denunciarem os quadros sociais de cariz meramente consumista (conduzindo-os novamente (aos Sindicatos) à sua posição de interlocutor no esquema dialéctico das relações de produção).
Efectivamente, no livrinho “Consciência Cristã e Opinião Pública”, poderá ler-se: «Se para a defesa destes direitos (ao trabalho, ao desenvolvimento da pessoa, ao exercício da profissão, à remuneração equitativa, à assistência), as sociedades democráticas aceitam o princípio do direito sindical, elas nem sempre estão abertas ao exercício de tal direito».
Deve, assim, admitir-se o papel importante dos sindicatos: eles têm por objectivo, a representação das diversas categorias de trabalhadores, a sua legítima colaboração no progresso económico da sociedade e o desenvolvimento do bem comum.
O Papa Francisco (in “A Paz é o Caminho”), acentua: «Como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma ordem, natureza e dignidade». Num relacionamento social, que  -  como o sabemos  -  o Papa Francisco deseja em Liberdade, consciente  -  assim  -  dos seus direitos e deveres (porque em Democracia)  -  num aperfeiçoamento constante na vivência democrática e na defesa dos seus princípios. E se a vivência em Democracia implica um saber de vivência, se a pessoa é perfectível, e só nessa medida educável, a educação terá de ser movida pela esperança posta no outro educando, em atitude de amor que se recusa a classificar o amado em definitivo, antes o vê  passível de aperfeiçoamento. Ou seja: num refazer constante do processo democrático, da construção permanente da Liberdade.
 José Alexandre Laboreiro
 Transcrição do Mensário “Folha de Montemor”, com autorização do Autor- Fevereiro 2016    



  
 




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