Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
A Cultura e a Cidadania
Constitui uma constatação inquestionável, o princípio de que
o homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela é capaz de
desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhe ao
máximo em proveito dele e dos outros.
A educação exerce-se, como que automaticamente, durante toda
a vida, só com a diferença de que, na idade adulta, o homem confia a si mesmo a
missão do seu próprio educador, ao passo que, na idade infantil, precisa dum
guia, que é conjuntamente a família e o mestre.
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um
conjunto harmónico e conjugado das forças individuais, por seu turno
desenvolvidas, em toda a sua plenitude. E só se pode fazer progredir e
desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua, incessante e
persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico,
intelectual e moral.
Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de
todas as pátrias, e, por mais alto que se afirme a sua consciência colectiva,
Portugal só pode ser forte e altivo no dia em que, por todos os pontos do seu território, pulule uma
colmeia humana, laboriosa e pacífica, no equilíbrio conjugado da força dos seus
músculos, da seiva do seu cérebro e dos preceitos da sua moral.
A educação concorrerá ou não para o desenvolvimento humano,
consoante fomente o reconhecimento de que o destino de cada homem é solidário
com o dos outros homens, ou gere cidadãos para quem a razão de existir esteja
na conquista de proveito próprio, indiferente à situação dos outros ou mesmo à
custa destes. Consoante promova um sentido de “nacionalidade” estreito e
isolacionista ou saiba conciliar a solidariedade no âmbito de uma comunidade
nacional com a solidariedade entre os povos, entre os membros da comunidade
internacional, e seja capaz de suscitar a mudança de atitudes egocêntricas como
esta a que se refere Vittachi: «Quando Henry Labouisse, dirigente da UNICEF,
nos previne de que pelo menos 400 milhões de crianças estão ameaçadas de fome e
declara um “estado de emergência”, nós desligamos os nossos corações e viramos
a página do jornal para os anúncios dos cinemas. Essas crianças são dos
outros».
A educação contribuirá para o desenvolvimento na medida em
que souber gerar nos cidadãos uma capacidade crítica que os habilite a resistir
à demagogia e à manipulação e concorra para dignificar a função que cabe à
crítica nas sociedades democráticas.
O sistema de ensino será ou não um instrumento de equidade
consoante ofereça possibilidades reais
de acesso generalizado ou conduza a um processo educativo selectivo que
consolide ou acentue as desigualdades sociais e regionais. É que, tal como
ocorre com o Produto Nacional Bruto, também no sistema educativo existem a
pobreza absoluta (“analfabetismo”), a concentração de riqueza (educação
“elitista”), supostos automatismos distributivos que não se verificam na prática
(gratuitidade e obrigatoriedade de certos graus de ensino, visando a
universalidade que se não atinge, porque as crianças contribuem, com o seu
trabalho, para as respectivas (débeis)
economias familiares, ou porque a baixa situação sócio-económica das famílias
compromete o rendimento escolar, por exemplo). Aliás, de um modo geral, os
pobres do P. N. B. e os pobres do sistema educativo são os mesmos. Raul Gomes
(in “Educação e Humanismo”) leva-nos a concluir que - na
formação humanista integral da pessoa
- há que passar pela educação,
«não pela educação de inspiração clássica, baseada na separação entre as
actividades manuais e intelectuais, e na distinção social entre classes
dirigentes e classes auxiliares, mas por um novo tipo de educação baseado na
associação íntima entre a mão e o cérebro, entre a prática e a teoria
científica, e mediante a qual todos os homens possam receber a formação
necessária à plena realização das suas capacidades e aspirações, dentro,
evidentemente, dos limites impostos por uma estrutura económica baseada na
justiça social».
Por sua vez, João Morais Barbosa (in “Educação e Liberdade”)
regista com certa apreensão: «Quem se não limite a embarcar no tempo que agora
corre, antes se demore a sobre ele reflectir, encontrará motivos de preocupação
toldando-lhe o horizonte. Porque o homem contemporâneo parece apostado em
destruir-se. Não desejo referir o tão estafado caso das armas nucleares, das
guerras sempre possíveis. Penso na tristeza de um homem que, no cimo paradoxal
do seu orgulho, persiste em rebaixar-se ao nível da besta... Não é só - e
muito seria já - o desregramento na vida, o desprezo das
normas morais, é toda uma literatura e todo um pensamento
filosófico-científico, que se comprazem em diminuir o humano do homem, em
fazê-lo «perder o complexo de superioridade diante dos animais... Surge uma
ética “nova” em busca de um homem “novo”, o homem libertado das correias da
escravidão moral e do espírito. As metas a atingir já não estão além, mas aquém
do homem. O homem tem de destruir o homem: é este o imperativo “científico” dos
tempos que hoje nos damos a viver». Porém, quanto a nós, esta degradação moral
em que as sociedades actuais foram (e estão) a ser lançadas (mercê de uma
defeituosa aculturação, com a cumplicidade economicista de alguns meios de
comunicação social, e de um incompleto sistema de ensino e de cultura) poderão
ser enfrentadas (e debeladas) por acções de campanha dos Sindicatos e Partidos
de horizontes progressistas - ao denunciarem os quadros sociais de cariz
meramente consumista (conduzindo-os novamente (aos Sindicatos) à sua posição de
interlocutor no esquema dialéctico das relações de produção).
Efectivamente, no livrinho “Consciência Cristã e Opinião
Pública”, poderá ler-se: «Se para a defesa destes direitos (ao trabalho, ao
desenvolvimento da pessoa, ao exercício da profissão, à remuneração equitativa,
à assistência), as sociedades democráticas aceitam o princípio do direito
sindical, elas nem sempre estão abertas ao exercício de tal direito».
Deve, assim, admitir-se o papel importante dos sindicatos:
eles têm por objectivo, a representação das diversas categorias de
trabalhadores, a sua legítima colaboração no progresso económico da sociedade e
o desenvolvimento do bem comum.
O Papa Francisco (in “A Paz é o Caminho”), acentua: «Como
irmãos e irmãs, todas as pessoas estão relacionadas umas com as outras, cada
qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma ordem, natureza e
dignidade». Num relacionamento social, que
- como o sabemos - o
Papa Francisco deseja em Liberdade, consciente
- assim - dos
seus direitos e deveres (porque em Democracia)
- num aperfeiçoamento constante
na vivência democrática e na defesa dos seus princípios. E se a vivência em
Democracia implica um saber de vivência, se a pessoa é perfectível, e só nessa
medida educável, a educação terá de ser movida pela esperança posta no outro
educando, em atitude de amor que se recusa a classificar o amado em definitivo,
antes o vê passível de aperfeiçoamento.
Ou seja: num refazer constante do processo democrático, da construção
permanente da Liberdade.
Transcrição do
Mensário “Folha de Montemor”, com autorização do Autor- Fevereiro 2016
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