terça-feira, 5 de abril de 2016

CLAUDIA SOUSA PEREIRA ASSINA HOJE A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA NA DIANA/FM

                                           Factos, notícias e opiniões

Terça, 05 Abril 2016
É normalmente quando os assuntos nos tocam de mais perto que procuramos conhecê-los melhor. Ora é precisamente também nesses momentos e nessas circunstâncias que é mais fácil deixarmo-nos toldar pela subjectividade na análise e a, por vezes, ajustarmos os argumentos mais ao que nos interessa do que à chamada “verdade dos factos”.
E isto é natural no indivíduo da espécie humana que vive desde sempre a interpretar tudo o que lhe acontece ou, não sem alguma inércia intelectual, a acreditar em interpretações que lhe vão apresentando mais ou menos à força.
Este tema não podia escapar ao autor, pensador e escritor, que me inspira esta série de crónicas e que chegou a afirmá-lo da seguinte forma: «Toda a cultura assenta na interpretação dos factos. Os factos em si permanecem, sujeitos embora a emendas como factos que são. Mas não a sua leitura.» O interessante nesta afirmação de Vergílio Ferreira é, não apenas ela opor-se à vulgar sentença que diz que «contra factos não há argumentos», como sugerir que os factos se podem emendar. Vamos pois, por partes, ver se nos entendemos.
Utilizar-se o argumento da não argumentação de factos é renunciar à possibilidade de qualquer tipo de discussão tratando os factos como fatalidades. Como se todos os factos fossem actos isolados. Sê-lo-ão os factos ilícitos, que são os que quebram as leis, ou os factos consumados, que são os que não se podem reverter. Mas se os primeiros são julgados e a repreensão depende da avaliação da sua gravidade, os segundos servem-nos para estarmos mais alerta, da vez seguinte em que essa irreversibilidade indesejada se possa dar. Na vida em sociedade, que é a que em princípio temos de viver, existem os factos sociais. São aqueles em que se deve ter em conta as relações entre os indivíduos e o ambiente colectivo em que decorrem, sendo impossível analisá-los sem se observar a totalidade do seu desenvolvimento na sociedade. Os factores tempo e espaço são, por isso, indissociáveis desta noção de factos. E são também eles que nos permitem contarmos a nossa história e, consequentemente, sugerir outras e mais leituras.
Que toda esta conversa vos faça pensar nos perigosos rebeldes (sublinho a ironia) recentemente condenados em Angola como uma associação de criminosos. Os jovens foram detidos durante um encontro em junho do ano passado no qual partilhavam a leitura do livro "Da ditadura à democracia". Rejeitaram sempre as acusações que lhes foram imputadas e declararam em tribunal que os encontros semanais que promoviam visavam discutir política e não promover qualquer acção violenta para derrubar o regime.
E já agora, também espero que a conversa vos faça avaliar a reacção de membros de uma associação ideológica que, tantas vezes parecendo reclamar para si o monopólio da liberdade e o discurso da justiça social, se escudam em factos que arrumam como inevitabilidades. E todos sabemos do que estou a falar.
 Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira


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